World Legacy Scars

O novo comandante da missão de Kain era no mínimo diferenciado com aquela sua arma de plástico em suas costas. Belmont se segurou bem e conseguiu ficar sem fazer qualquer tipo de comentário sobre aquilo.

Como o cabo não possuía nenhum conhecimento sobre o procurado, acabava deixando a cargo dos dois soldados que ali estavam para encontrarem qualquer indício de onde ele poderia estar. Kain chegava a perguntar algo antes de propor onde deveriam ir, mas Holnet que sabia tanto quanto ele poderia no máximo especular todo tipo de coisa. Assim acabavam se dirigindo ao local obvio, ou seja, ao bar novamente. Aquele pobre trabalhador com certeza não teria paz naquele dia.

A ida foi tranquila, ainda chovia, mas se limitava a uma garoa no momento. Quando chegaram no bar, viam que o homem estava fechando o local, não só pela sua expressão de exaustão, acabava sendo óbvio pela própria postura corporal de que estava muito cansado. Kain podia ficar surpreso do homem simplesmente estar acordado ainda.

Quando viu os marinheiros, nem se preocupou em falar nada, simplesmente destrancou novamente a porta, obviamente o que quer que fosse era bom ter o mínimo de privacidade para conversarem. E ao entrarem, Belmont percebia que o homem havia feito um bom trabalho no local. Não havia traço de sangue mais no chão ou no cheiro, como não havia marcas profundas nas cadeiras e mesas ficava difícil dizer que havia tido alguma coisa naquele ambiente mais cedo. Se a memória atingisse Kain seria meramente graças ao fato da cena ter sido forte o suficiente para isso naquela manhã.

Para poupar tempo, o soldado falava e Hideki só o ouvia enquanto pegava o cartaz. A expressão do homem denunciava que ele reconhecera aquela face do cartaz. — Ele esteve aqui ontem mais cedo — respondeu o homem como se o sono houvesse até mesmo acabado. — Antes de qualquer um deles chegarem — comentava e começava a coçar a cabeça igual Kain já havia visto naquele dia mais de uma vez. — Lembro dele pedir a bebida e de conversarmos um pouco, mas depois ele só foi embora quando... — complementava parando tentando se lembrar. Será que Hideki já havia sido hipnotizado até o fim do período que o homem esteve ali? — Quando... — comentava o homem de novo e era nítido que ele estava tentando se lembrar do que havia acontecido. — Ele estava feliz por ter conseguido um emprego no açougue — comentava enquanto seus olhos cresciam de espanto. — O açougueiro veio chamar ele aproveitando enquanto me entregava carne — falava tendo se lembrado. — Qual é o açougue? — perguntava o cabo sem rodeios.

Com a resposta dada, Loso agradecia o barman e indicava para os dois o seguirem para fora. — Bom, vamos andando — comentava já se direcionando para o local, claramente o marinheiro sabia onde ficava o açougue só pelo nome.

O caminho não foi longo, apesar de Kain perceber que era na direção quase oposta ao açougue da família vizinha. Quando chegaram lá, o local estava aberto ainda, era bem parecido com o outro açougue que Belmont havia visto no dia... não que pudesse variar muito de um açougue para o outro.

Umas quatro pessoas estavam ali esperando a garoa passar, outros dois pareciam estar esperando o atendimento. Via a carne exposta no frigorífico logo abaixo do balcão e era bem bonita e bem tratada, claramente um pouco melhor que a da família vizinha. Só que não havia ninguém atendendo no momento, provavelmente o chefe do local havia ido pegar carne no frigorífico que ficava no fundo.

Um minuto se passou e nada de ele voltar, não ouviam nem mesmo movimentação na parte detrás do açougue. Só se ouvia a garoa, e os cochichos de porque a marinha estaria ali. Era incrível como parecia um disco quebrado, os quatro que não queria carne pareciam repetir que a marinha estava ali outra e outra vez enquanto sempre olhavam para fora e depois para dentro como se esperassem a chuva passar. Sem paciência para ficar esperando, o cabo logo perguntou a todos os civis ali presentes. — Estão esperando a muito tempo? — e um dos que esperava carne respondeu prontamente. — O novato de cabelo branco entrou pouco antes de vocês chegarem — e complementava. — Deve estar meio perdido ainda no frigorífico.

Porém aquilo era o suficiente para o Loso. Ele olhou para todos ali e lentamente começou a retirar sua arma de plástico das costas. — Rapazes, se preparem... — comentou o cabo olhando não para dentro, mas sim para as próprias pessoas ali, não para os dois que pareciam esperar atendimento, mas para os outros quatro. Kain percebia que elas ainda não haviam parado de cochichar sobre a marinha estava presente no local, mas mesmo assim reagiam ao Loso pegando a arma, como se começassem a olhar atentamente para ele, prestes a atacar.

A situação se desenvolvera de forma tão rápida que o cabo acertava o primeiro dos quatro enquanto Kain ainda falava que as pessoas poderiam estar sendo controladas. — Eu sei — ouviu ele falando desgostoso, afinal, aquilo deveria ser bem óbvio. O golpe de Loso fora feito com a arma, e a pessoa desmaiara com o impacto.

Belmont também não teve muito tempo para pensar, pois os outros continuavam atacando, colocando-se em posição de combate ficou bem mais sério do que os seus colegas estavam. Seu primeiro movimento fora certeiro. O homem que acertara recuava alguns passos com o soco em sua barriga. Parecia que ia vomitar, mas se aguentou bem. Só que aquilo não era a única coisa que o marinheiro havia preparado, acabara então acertando um chute na cabeça do homem.

Com aquilo Kain percebeu que eles claramente não eram cumplices... ou se fossem, era o bando pirata mais fraco do mundo. Infelizmente Belmont não era forte o suficiente para que ele desmaiasse com seus golpes e por isso aquela cena parecia patética e cruel ao mesmo tempo. O cabo teve que se aproximar e acabou colocando todos para dormir com sua arma de plástico. Ele parecia acostumado aquele tipo de ação.

— Vocês dois — falava Loso olhando para os civis. — Vão embora antes que acabem se machucando — comentou e não teve que repetir, os dois saíram correndo daquele lugar sem se importar muito com a chuva. — Soldado Holnet, vá lá fora e verifique se existe alguma porta traseira, fique atento a qualquer movimento. Enquanto isso eu e o soldado Belmont entraremos por aqui — falava sinalizando a porta que levava para os fundos.

Mal terminava de falar e pulava o balcão para ir para o outro lado. Ele indicava para Kain se aproximar dele enquanto encostava o ouvido na porta. A porta ficava do lado esquerdo, bem próxima a parede. Quando o marinheiro se aproximasse ouviria. — Vamos entrar de uma vez, eu vou para a direita e você para frente — a voz de Loso estava baixa. — Se houver alguém lá, coloque para dormir, independente de ser ele ou não — ouvia Loso falando ainda baixo.

O cabo fez um sinal com a cabeça de “entendido?”, e se Kain demonstrasse que sim, veria o superior sinalizando com a mão o número 3 e começaria a contagem regressiva. Iriam entrar com tudo. No entanto, se Belmont falasse que não e tivesse outro plano, aquele era o momento de falar.

Invadindo a parte traseira do açougue um cheiro realmente atingia Kain com tudo, obviamente o cheiro de carne e sangue. Ali era muito mais forte que na parte da frente. O ambiente não estava tão bem iluminado quanto a parte frontal porque havia uma ou outra luz desligada e o ar ali estava bem mais frio. Mesmo assim Belmont conseguia enxergar direitinho. Não havia qualquer porta de saída ali, mas havia uma janela que se estendia por toda a parte traseira da construção, inclusive via a ponta da cabeça de Holnet. No local havia diversos freezers que formavam três corredores, um grudado na parede traseira da construção, um central e um que ficava grudado a parede que estava a porta que havia acabado de passar. Alguns ganchos com leitões ou pedaços grandes de bois estavam pendurados por cima dos freezers, ou seja, não impediam a pessoa de andar pelos corredores, mas notava que havia trilhos no teto que permitiam que os ganchos fossem movidos.

Porém tudo isso acabava perdendo sua importância quando via o canto oposto ao que estava, lá estavam dois homens. Um o marinheiro reconheceu na hora, era Urota, o homem era alto, seu cabelo branco impedia que seus olhos ficassem expostos, e logo a frente de Suta estava outro homem, com avental e um protetor para seu cabelo, paralisado de medo graças a um facão apontado para sua garganta.

Ouvia uma risadinha de leve vindo daquele canto, claramente era o procurado que estava rindo. — Marinheiros malditos — a voz do homem parecia feliz, mas era um feliz meio bizarro, meio assustador. — Por que não aceitaram a história do menino? Onde foi que eu errei? — perguntava enquanto apertava um pouco mais a faca na garganta do açougueiro e aproximava um pouco a cabeça dele com a do homem. — Todos estavam felizes, por que se meter? — perguntou.

Seu superior não parecia ter muita paciência para aquele papinho. Apontava a arma de plástico para Suta. — Deixe ele ir! Ou eu atiro! — Kain percebeu que o cabo estava numa região mais escura do local no corredor que era grudado com a parede da frente, era difícil dizer se a arma era falsa ou não estando ali, Loso parecia saber o que fazia. Só que a fala dele não era bem-vista, Urota apertava ainda mais o facão no pescoço do homem que começava a sangrar um pouco. — Eu ajudei o menino e agora vou preso por isso?! — perguntava nervoso.

O movimento em seguida poderia pegar eles de surpresa. Suta cortava o pescoço do homem e o deixava cair e logo em seguida começava a correr na direção justamente de Kain.

Não havia tempo para pensar. O criminoso cortara a garganta do homem, e se não fizesse nada, teria provavelmente sua própria garganta cortada. Enquanto se movia, levando seu braço para frente sem motivo algum, ouvia seu superior gritando. — HOLNET! ENTRE AQUI IMEDIATAMNETE! — Loso gritava enquanto pulava o freezer para ir ao corredor central.

Após processar o acontecimento, sua mente era tomada por ódio, Kain levava sua mão para o cabo de sua katana. Esta não ficava ali por muito tempo, o marinheiro avançava na direção de seu adversário.

Seu movimento era planejado, sacava sua arma e fazia todo seu movimento para cortá-lo na altura do tórax. Urota não parecia desejar esquivar, e acabava movendo o facão para meramente acertar o ombro esquerdo de Belmont enquanto passava por ele a sua direita. Kain sentia ao mesmo tempo que cortava o tórax o seu adversário. Quão forte havia sido o golpe era difícil dizer, pois não só o soldado continuava seu movimento, já se preparando para atacar de novo, como Suta continuava correndo.

O motivo de seu adversário continuar correndo era óbvio, o cabo já havia corrido até a direção da parede, bloqueando a possível passagem que o perseguido teria para fugir. Aproveitando o momento de hesitação de Urota, Belmont realizava um corte vertical em sua lateral do corpo, atingindo não só o braço esquerdo completo do criminoso, como sua orelha.

Aquilo enfurecia Suta, que desviava do corte na diagonal basicamente se jogando contra a parede que estava tão próxima, com as mãos um pouco para o alto, a lâmina do soldado havia passado raspando no cabelo dele que não reagira tão rápido quanto o corpo do criminoso. Kain então via que o facão de Urota que estava em suas mãos lá em cima ia em sua direção num movimento descendente parecido com o que ele mesmo havia acabado de fazer. Sentia seu ombro esquerdo sendo acertado novamente, mais fundo dessa vez, mas mais pontual, pois graças ao seu próprio movimento, era muito difícil da lâmina de seu adversário continuar em contato.

Quando menos esperou viu Suta se deixando cair de bunda na sua frente, pois na altura de sua cabeça a arma de plástico do cabo acertava com tudo a parede. Estavam próximos do canto da construção. Kain um pouco a direita de Urota e Loso um pouco a esquerda.

Kain, mesmo no meio da luta com dor e raiva, conseguia questionar seu adversário, que não o respondia. A concentração do inimigo para a situação era muito maior. Qualquer erro dele e sua vida iria para o saco. Obviamente o marinheiro não esperava uma resposta por esse exato motivo, então não perdia tempo ficando ainda mais nervoso por ser ignorado.

Quando Urota caía no chão, Belmont já começava seu movimento com o braço, preparando para estocá-la em seu adversário e quem sabe acabar com a luta de uma vez. Obviamente, como esperado novamente, o criminoso não ficaria meramente parado, por isso via o facão se movendo em um movimento horizontal que realizaria cortes nas pernas de ambos os marinheiros enquanto estivessem por perto. Kain acabava recuando sua espada que cortava superficialmente o ombro esquerdo de Suta, pois estavam próximos o suficiente para isso.

Já o cabo Loso foi mais prático, ele não se movia, ele simplesmente segurava sua arma de plástico com a mão direita e abaixava o braço, fazendo com que seu fuzil ficasse lado a lado com sua perna e assim parasse o facão impedindo o corte. Com aquela cena ocorrendo, o soldado mandava que ele se rendesse. E para a surpresa de ambos ali, o facão era solto.

No mesmo instante, ouvia que Holnet já estava chegando na porta. Havia esse detalhe ainda, eram muitos a mais, era óbvio que ele não venceria e nem conseguiria fugir. — Está tudo bem? — ouvia o cabo perguntando para ele enquanto retirava uma algema para prender Urota. Colocando a algema indicava para que fossem para o quartel general.

— Eu vou cuidar de colocá-lo atrás das grades. Você vá se tratar e depois nos encontramos no escritório de Lincoln — ouvia no meio do caminho enquanto andavam.

Com a luta finalizada, respondia com maior tranquilidade o cabo, mas a dor não iria embora tão cedo. O homem se rendera, o que o ajudava bastante, até mesmo o surpreendia. Começava a pensar em como aquilo poderia aliviar a vida do menino de todo aquele fardo que teria.

Indo para o quartel general ouviu as ordens de seu superior e concordou sem qualquer outro comentário, afinal, se tratar era realmente a prioridade. Foi até a enfermaria e quando bateu foi atendido por um médico que Kain já havia visto andando pelo quartel general em todo seu tempo de vida por ali.

Belmont nem precisava perguntar, mas o médico sorria ao ouvir aquilo e respondia com um leve aceno de cabeça indicando para que ele se sentasse no banquinho. — Tire a camisa por favor — comentou o médico enquanto pegava gaze e os utensílios para limpar e fechar os cortes.

O procedimento foi doloroso, mas nada de outro mundo, ou o médico havia aplicado uma anestesia, ou era simplesmente bom de serviço. — Bom, é isso, não deve demorar para você voltar a lutar com todas as suas forças — falou o médico já levantado. — Desde que não abra os pontos você deve ficar bem — complementou liberando-o.

Tratado, mas ainda sentindo incomodo no ombro, Kain se dirigiu ao escritório de Lincoln como fora ordenado anteriormente. Nesta pequena caminhada pensou nas diferenças entre aquele mundo que esteve nos últimos anos e sua terra natal.

Não tardou para chegar no escritório e bater na porta, quando autorizaram que entrasse, reparou que tanto Holnet quanto Shima estavam ali. O soldado estava terminando o relatório dele, pois já citava o açougue e o grito do cabo para que ele entrasse. Além desses dois, estavam presentes o cabo Loso, o sargento Lincoln e até mesmo o tenente Strauss, que parecia levemente diferente, o que Belmont logo percebeu como sendo culpa de suas roupas meio rasgadas e surradas do dia que teve.

— No momento perfeito — falava o sargento indicando para que fechasse a porta atrás dele. — Soldado Belmont, por favor, dê seu relatório — comentava após Holnet ter acabado seu relatório.