[Narrada/Fechada] Sigam as Borboletas

Estavam caídos, todos eles. De certa forma, todos estavam mortos também. Observava vitorioso enquanto as lâminas pingavam gotas de sangue no chão. Sentia a adrenalina ainda percorrendo o corpo enquanto me regozijava de ter realmente despertado durante aquela batalha. Aquele era o começo, mas sabia que ainda não era sequer uma sombra do quão forte fui um dia.

Apertava o cabo da espada com o susto. Em meio a todo aquele misto de sensações, a mink chegava com passos muito silenciosos pelo meu ponto cego e tocava em mim. Por mais que culpasse minha desatenção, não podia deixar de reparar na forma “leve” com a qual ela se movia. Ela começava a falar.

O seu modo de falar não escondia segundas intenções, por mais que fosse difícil dizer se eram verdadeiras. Em todo caso, relações carnais não eram nem de longe algo que eu estava interessado. Pensava no quanto queria um charuto, e então, ainda sem respondê-la, olhava para o único sobrevivente. Sequer conseguia me lembrar de seu nome, apenas mais um dos pobres infelizes que cruzaram lâminas comigo um dia e, sem dúvidas, apenas mais um dos pobres infelizes que ainda deveriam cruzar meu caminho.

Apertava o cabo da espada, seria muito fácil finalizá-lo ali mesmo, para que não voltasse a ser um problema para o mundo como já havia feito. Desta vez, entretanto, era diferente. Caído e imóvel, com o corpo de seu filho ao seu lado, aquele homem tinha os mesmos olhos que eu no dia em que perdi minha amada Lilian, um destino que eu sabia bem, era muito pior que a morte. Diferente de mim, entretanto, duvidava que lixo como aquele teria força para se reerguer do inferno em busca de vingança e, se conseguisse, eu estaria pronto para frustrá-lo de novo. Que ficasse assim então, experimentando o gosto da culpa e do fracasso por cada um dos dias que lhe restassem de vida.

Sacudia as espadas e usava as roupas do primeiro inimigo a morrer para limpar o sangue. Ainda neste momento, avaliava a qualidade das espadas inimigas para saber se valeria a pena trocá-las pelas minhas. Antes que eu pudesse pensar, recebi da Senhora Beau uma corda que estava por ali. Vender prisioneiros para a Marinha não era o que eu queria, mas eu sabia reconhecer que não tinha dinheiro o suficiente para tocar meu projeto sem antes fazer isso.

Após amarrar os prisioneiros e pegar novamente a farda, começava a arrastá-los enquanto caminhava ao lado da mink, que me atualizava sobre as políticas da ilha. Quando o Sol já nascia, chegávamos finalmente à baía onde haviam três navios da Marinha ancorados. Ali, Beau estava pronta para nos separarmos, mas propunha antes que nos encontrássemos durante a tarde para que pudéssemos tratar de um assunto muito lucrativo. Sua explicação não deixava dúvidas disso.

- Se não me engano, uma das primeiras coisas que a senhora disse foi que eu estava sozinho nessa… - Dizia como quem reflete, mas também estava provocando e querendo observar sua reação - Mas quem sou eu para recusar um bom negócio. Nos encontraremos à tarde então, para que possamos falar mais sobre essa… Akuma no mi. - Dizia, me despedindo da mulher.

Nunca havia entrado em uma base da Marinha desde o incidente de anos atrás e, honestamente, também não sabia como iriam reagir. Meu nome estaria marcado em algum lugar? Ou já havia sido apagado dos registros e dado como morto? Só podia torcer pelo segundo, mas seria bom prevenir e pensar num pseudônimo.

Entreguei os três prisioneiros usando o nome de Kheteric Thorn, mesmo nome que havia usado para me apresentar ao marinheiro quando tornei-me um caçador de recompensas. Cinco milhões de berries, por mais que não fosse muito, ao menos conseguiriam me comprar espadas melhores, charutos e um quarto para dormir. O verdadeiro prêmio presente naquela ilha seria conversado com minha anfitriã na Arena dos Touros, durante um jogo de cartas.

Saía da base da Marinha o mais rápido possível, já sentindo o cansaço me tocar. Procurava um lugar para me hospedar ali mesmo na baía, onde usaria o mesmo nome falso. Não estava disposto a voltar para a casa Cecil, havia prometido a mim mesmo que não o incluiria em meus planos se ele não desejasse e pretendia por isso mesmo não atrair possíveis inimigos para lá. Dormiria após um banho para cuidar das feridas, pedindo que o barman me acordasse na hora do almoço, então faria o desjejum e me arrumaria, para partir novamente para a arena dos touros, onde compraria uma cartela de charutos e, no caminho, procuraria por um ferreiro onde pudesse vender as espadas velhas e as de espólio, para comprar um par de espadas profissionais.


- Já estava começando a me perguntar se você viria, bonitão! - A voz de Beau me chamava a atenção, vinda do canto da sala “VIP” do bar na Arena dos Touros - Sente-se. Pensei em usarmos esse lugar, é onde as Grandes Apostas acontecem… - Seu olhar era sugestivo mas, honestamente, eu não sabia dizer o motivo. Ao centro da sala, a mulher sentava-se em uma grande mesa de poker, na qual eu sentava do outro lado.

- Vamos jogar?

Ela começava a embaralhar o baralho que ali havia e então distribuía fichas no total de um milhão de berries para nós dois - Poker, então… - Dizia a ela - Sabe blefar? Espero que seja tão bom com a língua quanto é com a espada… - De fato, blefes, mentiras e bajulação nunca foram o meu forte, enquanto o contrário ficava evidente daquela mulher. Poderia usar desta oportunidade para aprender um pouco. Era aí que ela se levantava da mesa.

- A questão é que eu quero que você seja meu parceiro num jogo ainda mais difícil. Então por quê não te testar antes? Tem uma mesa de poker marcada para agora. Vença no meu lugar e poderemos jogar a sós… - Ela terminava falando no meu ouvido e então saía, dando lugar a três homens que sentavam na mesa e pegavam suas próprias fichas. Logo entrava o dealer.

- Uma belezinha a Beau, hein? Mas não pode vacilar, já perdi até as minhas calças para essa mulher… Literalmente! Hahahaha! - Palavras do homem que estava mais bêbado que, ainda assim, serviam como um aviso. O dealer dava as cartas e era um bom começo, eu tinha um par de ases, um melhor começo era impossível.

- Aumento! - Dizia logo de cara, aproveitando-me da boa mão para colocar meio milhão em fichas na mesa - No pré-flop? - O bêbado parecia surpreso - Eu tô fora! - Dizia ele jogando as cartas na mesa, seguido de todos os outros. Ficava frustrado pensando no quanto poderia ter ganho ali - Não pode fazer assim não, tiozão. Tem que blefar! Enganar a gente! - Ele dava uma risada que se misturava a um soluço - Cara… A Beau vai te rapelar!

Era essa a importância do blefe. Estava com a faca e o queijo na mão, mas de nada adiantava se o inimigo não caísse na armadilha. Devolvia as cartas para o dealer, que não demorava para embaralhar. As cartas eram dadas de novo e, para mim, vinha um rei e um nove de copas. Dessa vez, eu começaria devagar…

Algum tempo depois

Já estávamos perto de completar uma hora de jogo. Nesse meio tempo, já havia perdido por diversos erros em meu blefe e diversos sucessos nos blefes inimigos. Certa vez, meu olhar me entregou após um river matador. Em outro momento, não consegui ler o adversário que estava bêbado demais para demonstrar qualquer emoção sob a qual eu pudesse capitalizar. Por fim, entretanto, estava usando cada rodada daquele jogo de poker como um aprendizado e, agora, me considerava pronto para vencer… Exceto pela minha mão.

Um sete e um dois de naipes diferentes são geralmente considerados a pior mão inicial do poker, e haviam bons motivos para isso. Se quisesse ganhar, deveria provar para mim mesmo que havia aprendido a blefar. Para isso, começava com um aumento sutil da aposta. O jogo continuava a medida que river, turn e flop não me ajudava. Por astúcia, entretanto, havia feito apostas (e deixado de fazê-las) o suficiente para convencer meus aliados de que valia a pena continuar apostando até o final mas que, em contrapartida, não deveriam se sentir tão seguros - All-in - Dizia empurrando todas as fichas para o centro da mesa.

Aquilo era o suficiente para botar medo em todos que ainda estavam no jogo, fazendo com que desistissem. Ao fim do jogo, fazia questão de me divertir mostrando a mão com que tinha ganhado todo o dinheiro. Infelizmente, o Dealer levava todos os meus lucros dizendo que eu estava jogando pela Senhora Beau e, portanto, os lucros eram dela.



- Agora que já estou aquecido, podemos negociar? - Questionava quando minha anfitriã retornava à sala, agora vazia.

Acendia o charuto quando a mulher entrava na sala. Queria demonstrar um certo controle ali, e também senti-lo. A verdade é que a disponibilização do quarto de hotel era vista por mim como uma mensagem “Tenho olhos em todo lugar”. Algo inquietante, deixava claro que eu era o menor dos peixes ali. Ainda assim, não podia transparecer que eu concordava com isso.

A mulher não gostava de perder tempo, isso era evidente. Sua influência já havia sido demonstrada anteriormente e agora era o momento de colocar as cartas na mesa. Talvez o tempo de poker tivesse me feito bem, era apenas por ter aperfeiçoado o meu blefe que eu conseguia esconder a surpresa ao ouvi-la falar da fruta da luz.

Tragava o charuto uma vez mais. Só podia ser uma fruta do tipo logia e, provavelmente, muito poderosa. Realmente, um valor inestimável que poderia alavancar de vez a Nova Marinha, assim como poderia criar um adversário implacável se caísse nas mãos do Governo Mundial.

Aquele, entretanto, não era o final na fala de Beau, que ainda continuava a jogar suas cartas. Eu era, então, o seu coringa. Alguém de fora que poderia mudar tudo. Era fácil e conveniente demais, mas ainda conseguia guardar para mim ao menos uma informação que podia mostrar uma fraqueza de minha possível sócia… Ninguém deveria saber de nossa aliança. Decidia guardar isso para mim.

- Enquanto eu penso na proposta, sacie minha curiosidade. Como o Capitão local matou um usuário de uma fruta tão poderosa?

Era honesto em minha curiosidade, pensando em como uma pessoa no West Blue teria sido capaz de subjugar o usuário de uma fruta como aquela. Ainda assim, essa pergunta também servia para ganhar tempo enquanto refletia sobre todas as informações em minha cabeça, tragando o charuto.

- Está fácil demais - Dizia - Você sabe muito bem que eu não pretendo me aliar a Marinha, então não faria sentido mudar de lado nessa caçada ao tesouro. Eu sei muito bem da sua influência nessa ilha, você já deixou isso claro em algumas ocasiões. Seria loucura te trair. A questão é… - Tragava o charuto mais uma vez antes de falar - O que garante que você não vai me trair? - Questionava, oljando profundamente para seus olhos.

- Uma espada de kairouseki nesta parte do mundo? - Perguntava parecendo intrigado, mas então sorria como quem acabou de receber um desafio e gostou - A senhora é mesmo uma boa aliada para se ter - Cumprimentava. Aquela mulher poderia realmente ser de grande ajuda para mim nesta ilha, ou se tornar um grande obstáculo.

Expunha por fim as minhas próprias conclusões e questionamentos, dando continuidade a conversa. Ao ouvir, ela expunha em seu rosto um sorriso semelhante ao que eu mesmo havia demonstrado anteriormente. Após fazer isso, ela pegava o meu charuto e se sentava, uma mulher interessante como aquela obviamente já tinha experiência com aquele tipo de fumo.

Sua resposta ao meu único questionamento vinha e era, no mínimo, intrigante. Primeiro, ela me acalmava dizendo que não gostava de construir seu nome em cima de traições. Depois, lembrava-se com prazer das traições que havia cometido. Aquele discurso contribuía para a construção de um clima mais tenso na sala, provavelmente a mulher queria ver como eu reagiria com a insegurança que aquilo poderia gerar, ao mesmo tempo que não estava mentindo. Em resposta, eu sorria.

- Heh, tinha me esquecido de como é ser um novato - Dizia me ajeitando na cadeira - E aqui estou, como estive na frente do quartel general da Marinha a anos atrás. Um aspirante que deve aceitar que não pode estar no controle de tudo… - Demorava alguns segundos para continuar falando depois disso. Queria ajudar na manutenção do clima tenso que Beau havia construído - Pois bem. Estou disposto a negociar em desvantagem por hora, desde que isso me leve para mais próximo do meu objetivo - Concluía.

- Pois bem, Senhora Beau, para qual direção devo ir?