Quem liga para Karatê?

Brina soltava um grito de alegria ao ver o enorme sanduíche em suas mãos. Após tudo que passaram, só agora percebia o quanto estava com fome. Tentava agradecer com a boca cheia, enquanto devorava vorazmente sua refeição e ouvia o discurso de Douglas.

Ah, o discurso de Douglas.

Apenas a primeira frase já a colocava em estado de choque. Parava de mastigar e o encarava sem reação, em silêncio. Deixava um tomate escorregar de seu pão em direção ao piso, pois precisava processar tudo que estava sendo dito. O homem a enganara esse tempo todo? Magia era um assunto extremamente importante e delicado para Brina, pois era a sua vida, sua devoção e seu propósito. O que o ruivo fizera era extremamente cruel, pois o respeitara assim que soube que supostamente ele carregava o honroso título de Arquimago, o mais prestigiado de sua classe.

A princípio cogitou que se tratasse de um teste, uma mentira boba, uma brincadeira. Afinal, não seria muito diferente do que ele já fizera antes, certo? Em retrospecto, a mink repassava tudo que acontecera, mas as memórias correram tão rápido pela sua ingênua mente, que não conseguiu identificar nenhuma outra possível enganação.

- O que? - ao contrário do que esperaria, a indagação não sairia num grito. - O QUE? - dessa vez sim. - MAS, MAS… Mas… você não é um Arquimago??? Então como… e o… e… a… E QUANDO… E aí… Então… VOCÊ ME ENGANOU? - diria finalmente, e verbalizar aquela verdade cruel fora o suficiente para pôr à tona a dor que aquilo a causava. Todo o resto do discurso era indiferente a ela, a parte de ser um vagabundo, fugitivo, ladrão… nada disso a incomodava, na verdade, pela semelhança das histórias fantásticas que tanto ouvira até poderia criar um sentimento de empatia e até admiração. Entretanto, a parte da separação a incomodava. Por mais que ele tivesse mentido a respeito de algo tão sério, ele ainda iria fugir?

Brina saltava na direção do ruivo, tentando se agarrar em sua roupa na altura dos ombros, olhando-o com os olhos marejados. - Mas, mas… por que você vai embora? - a verdade é que a pequena que sempre teve tanto a falar, não sabia o dizer. - Fique aqui com a gente! Não foi divertido quando a gente derrotou o Pínamo? E quando a gente comeu no bar? E teve aquela vez que a gente tentou capturar fasmídeos! Por que não podemos continuar? POR QUE? - caso ainda estivesse pendurada em sua roupa, balançaria-o como se estivesse tentando arrancar uma resposta. - Você pode ficar com a moeda! É só durante a viagem, quando chegarmos você pode ficar com ela de volta! É por isso? Eu vou capturar o fasmídeo e você não vai mais precisar se preocupar com isso! - seus olhos já estariam cheios de água a essa altura. - EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ FINGIU SER UM ARQUIMAGO! - e o largaria no intuito de pousar em seu pé, apesar de seus 20 e poucos quilos pouco o afetariam. Seria o maior gesto de fúria que a pequena conseguiria expressar no auge dos seus 90 centímetros.

Brina estava de mal. Voltaria para o seu lugar e mordiscaria sem apetite o sanduíche (a não ser que tivesse uma fatia de queijo, pois seu lado roedor se deixaria levar completamente), o olharia de canto com um biquinho, era seu jeito de dizer que estava furiosa e triste ao mesmo tempo.

Com o sanduíche em mãos e ainda sentada no chão, Nina olhava de canto de olho para Douglas. O homem desembuchava, contando toda sua farsa. A rainha deu três mordidas no pão, arrancou metade do pão e começou a mastigá-la. Quando ele terminou a confissão, o pão já estava todo na boca de Nina e ela parecia ter dificuldades para engoli-lo.

- EU VABIA (EU SABIA)! - Gritou de boca cheia, mentindo, já que até o momento não havia desconfiado disso. - VOVÊ NUNGA USOU BODER IGUAL A BRINA! (VOCÊ NUNCA USOU PODER IGUAL A BRINA!) - Dessa vez ela engoliu o pão, engasgou um pouco e deu dois socos no peito para desentalar.

- Safado, mentiroso, panaca, ladrão… - Nina começou a resmungar ao mesmo tempo em que se colocava de pé. - Então quer dizer que você é um príncipe, HAHAHA! Que irônico… - Sorriu, dando alguns passos na direção dele. - Olhe aqui, seu charlatão… - Ergueu o dedo na cara dele. - Você faz tudo isso comigo e depois vai embora, hãn? Que tipo de idiota você é? Eu não ligo se você ama enganar os outros, engane os outros por mim. Eu caguei se seu sonho é encontrar um lugar ficar de bunda pra cima, encontre esse lugar sob a minha bandeira, paspalho desgraçado! E você trair nós duas e fugir? Quem você pensa que é? Se você me trair acha mesmo que vai conseguir fugir vivo? Você não seria tão idiota de pensar numa coisa dessas… - Faria uma pausa, respirando profundamente. Em sua memória viria a cena extraordinária na qual Douglas, em completa sintonia com ela, atacou Dínamo com sua espada, cegando o homem. - Se você quiser ir embora, vá. Odeio fracotes e agora, sinceramente, você está me parecendo um fracote. Você não parece o mesmo homem que lutou ao meu lado mais cedo.

Viraria de costas para ele e caminharia até Brina novamente, passando de leve a mão sobre a cabeça da ratinha. - Não fique assim, Brina-chan, se ele te fazer ficar triste mais uma vez eu mato ele. Tudo bem?- Falou com a calma de quem fala sobre dar um passeio ou regar as plantas.

Douglas virou o rosto, por vergonha de encarar a ratinha enquanto ela falava. - AI AI AI! - Gritou após ter o seu pé pisado, rodopiando apoiado em um só, segurando o machucado com as duas mãos.

Quando foi a vez de Nina de falar ele apenas encarou os próprios pés.

Estava esperando ser obrigado a andar na prancha, trucidado, espancado ou amarrado no mastro, como já havia acontecido tantas vezes desde que deixou o palácio. Isso facilitaria bastante a sua fuga. Se despedir sabendo que elas apenas não o aceitariam sendo como é, nem o perdoariam pelo que ele fez. Mas um pedido para que continuasse com elas? Um lugar em que pode se sentir seguro, por não estar cercado de bandidos como ele, mas, ao mesmo tempo, ser quem ele era?

Aquele seria um lugar difícil de abandonar.

E, talvez, bom demais para ser verdade. Uma ratoeira.

Quando Nina desse as costas, daria também as costas para as duas, em um movimento brusco, fechando os próprios punhos com força. - Foi uma idiotice tremenda dizer que me despediria delas com tanto tempo faltando até o barco chegar. - resmungaria para si mesmo. Observaria Kozue, pilotando o barco de longe. Rir tanto daquilo que ela mais ama havia sido perveso. Na verdade, esta pode ter sido a primeira vez que Douglas riu tão espalhafatosamente de algo.

- Ei, Kozue... Me desculpe. Eu não sei o que está acontecendo comigo... Talvez seja alguma espécie de sequela pós-traumática depois de vencer o Dínamo por tão pouco. - Faria uma reverência para ela, desta vez a sério, com um pedido de desculpas. Abusaria da sua etiqueta e do seu carisma. - Além do mais, eu acho que nós podemos nos ajudar mutuamente... Se me ensinar como navegar, você vai ter mais tempo pra descansar. E eu bem que podia me afundar em outro aprendizado pra não ter que ficar lidando com tanto sentimentalismo nesse barco. - Diria a última frase baixinho, esperando que as outras não o ouvissem, olhando na direção delas.

~APRENDIZADO PERÍCIA NAVEGAÇÃO~

- Eu não ligo de trabalhar. Não sou um marginalzinho vagabundo como você. Estou apenas cumprindo uma missão. - Embora tivesse dito isso, era bem possível perceber que Kozue estava relativamente cansada após cuidar da navegação por tanto tempo. - Eu posso te ensinar, mas só porque eu temo dormir no timão e acabar tendo que passar mais tempo com vocês. Mas, se você errar qualquer coordenada e fizer a gente se atrasar, eu vou te lançar no mar e você vai ter que aprender como se encontrar na marra! - Seus olhos cintilavam em raiva. Douglas se arrepiava.

Ela saía por um instante e pegava uma pilha de cadernos. - Estes são os meus diários de navegações. Os primeiros são aqueles com mais informações, eles foram feitos em detalhes, pois eu ainda estava aprendendo e tendo que anotar muitas coisas. Você me parece ser do tipo que aprende rápido, apesar de usar isso de forma tão torpe.

Douglas pegou os cadernos enumerados, começando a ler pelo primeiro. Graças à sua memória fotográfica e à sua facilidade de aprendizado, apenas precisava lê-los uma vez, o que adiantava bastante o processo.

Dentro dos cadernos havia os processos mentais que Kozue seguira em suas primeiras navegações. Seus erros, acertos, os cálculos que fizera e a forma de ter chegado até eles. Além disso, de tão organizada que era, parecia ter grampeado alguns mapas no caderno, de maneira que Douglas pôde ler a maneira como ela fizera para lê-los em cada caso concreto.

Tudo era bastante técnico e sem detalhes pessoais. Era possível ver a disciplina da garota transparecendo em seus diários de navegação.

Leu diversas anotações sobre as estrelas, topografia, posições celestiais e outras formas de se localizar em alto mar.

Aprendeu em profundidade sobre o uso das velas, posições de vento e outras coisas que careceram em seu aprendizado superficial de Condução.

Conforme avançava na leitura dos cadernos, começava a ver que os detalhes eram bem mais exíguos, como se ela não precisasse anotar novamente os pontos básicos, o que o fazia acabar aprendendo com as experiências dela em situações muito mais peculiares e específicas, com os detalhes apenas aparecendo quando se tratassem de novidades. - Grand Line... Então é por isso que existe o logpose. - Tamborilava na própria cabeça, começando a entender algumas questões que nunca teve vontade de ir atrás. Não sabia se a parte da Grand Line era experiência própria ou algo que a karateka havia anotado de outro livro.

Começou a praticar em alguns capítulos, buscando tentar prever o que ela faria antes de ler as próximas páginas, visando se localizar antes de saber a resposta, e confirmá-la ou descartá-la quando lesse. Aquela seria a sua forma de praticar, uma vez que seria mais segura do que ir direto para o timão assumi-lo.

Leria pela maior quantidade de tempo que pudesse, e, após algum tempo, quando se sentisse confortável, falaria com Kozue.

- Ei, por acaso estamos a menos de um dia de Torino Kindgom, cerca de 500 léguas marítimas? - Perguntaria, visando ajudá-la. - Não, estúpido. Não basta converter quilômetros em léguas para ter o número. É um calculo bem mais intricado.

Douglas batia na própria cabeça e rosnava um pouco, voltando as suas leituras. Quando fizesse uma pergunta para ela sobre onde estavam localizados e ela respondesse que ele acertou, perguntaria se já seria possível assumir o timão. Apenas o assumiria quando ela o permitisse, fosse por achar que ele estava preparado, ou por achar que poderia dar-llhe instruções básicas e que ele pudesse seguir enquanto ela descansava sem muitos danos à viagem.

- Eu acho que nunca iria aprender nada tão chato se não fosse pra fugir das duas choronas... - Apertaria os olhos. Não entendia muito bem por que elas o queriam com ele. Nem mesmo sua família o havia aceitado.

Continuaria seguindo as ordens e ensinamentos de Kozue, lendo os cadernos e tentando aplicá-los na prática até se dar por satisfeito.

~ FIM DO APRENDIZADO PERÍCIA NAVEGAÇÃO~

- Eu preferiria que o barco fosse atacado agora do que ter que lidar com elas. Droga... Que os ventos me ajudem a chegar logo em terra. - Embora dissesse isso, não saberia se seria capaz de fugir após tudo o que ouvira.

Objetivos:

Após a confissão de Douglas, os quatro dias que passaram foram amargos. A rainha não trocou palavras com o mentiroso, limitando-se a comer, apreciar a vista do mar e ficar próxima de Brina. O tempo fez com que as feridas de seu corpo se tornassem menos doloridas e a monarca ia cada vez mais se sentindo apta para batalhar novamente.

Quando finalmente a ilha-destino revelou-se no horizonte, Nina ficou impressionada. - Uou, ei, Brina, quando chegarmos lá vamos subir no topo daquela árvore? - Perguntou com a empolgação de uma criança, enquanto apontava para a enorme planta que erguia no centro da ilha. Percebeu também as formações rochosas que funcionavam como uma muralha em volta da costa, o que dava ao local um ar completamente estrangeiro, um lugar totalmente diferente do que Nina estava acostumada. Essa percepção fez ela sentir como se a aventura de navegar pelo mundo desconhecido finalmente tivesse começado.

O que se seguiu fez o estômago da Nina gelar, mas não de um nervosismo medroso e sim de empolgação. Esperando em um dos únicos pontos possíveis de atracar estavam três navios da Marinha, com um comandante arrogante em um deles. - Príncipe fugitivo? Então o desgraçado não estava mentido. - Nina olhou para Douglas com os olhos meio cerrados, em um tom de deboche. Enquanto isso, o marinheiro fazia uma pergunta prepotente para os tripulantes da Zarolha, apontando sua espada e seus canhões para a escuna pirata.

Nina caminharia com calma até a parte da amurada que estivesse de frente para os marinheiros. - NOS RENDER? - Gritaria usando todo o pulmão e colocando as mãos em forma de concha ao redor da boca como forma de amplificar o tom de suas palavras. - OLHA AQUI, SEU ENGOMADINHO DE MERDA, POR QUE VOCÊ NÃO TENTA PEGAR A GENTE, HEIN? MEU NOME É NINA SPADES E EU TENHO CERTEZA QUE TE DERROTARIA, SEU MAGRELO DESGRAÇADO! - E assim, aos berros, ela anunciaria sua política de nenhum compromisso.

Respirando pesadamente de excitação, a monarca se voltaria aos seus subalternos. - Vamos lá, esses desgraçados querem pegar a gente e eles tão em vantagem em alto mar... - Olharia para Whitefang. - Ô mentiroso, você ainda está no meu navio, então você vai seguir minhas ordens, entendeu? Use o que você ficou aprendendo nos últimos dias e encontre uma forma da gente chegar em terra. Eu ouvi dizer que tem outro porto, onde sua irmã está, certo? Leve a gente para lá. Sua irmã não vai causar problemas para gente, vai? - Nina não sabia nada do passado de Douglas para fazer essa pergunta, porém não havia tempo para tais coisas serem esclarecidas e então rapidamente voltaria sua atenção para Brina. - Brina-chan, ajude ele. Informe ele da movimentação da Marinha para que ele fique focado somente em controlar o navio. - Daria essas ordens com uma assertividade que ainda não havia mostrado, revelando que não era só uma rainha peralta e sim uma líder.

Porém em sua estratégia faltava mais uma pessoa. Nina iria até onde Kozue havia se escondido. - Ei, pirralha, preciso de você para uma coisa. E não comece a reclamar, porque se eu for presa eu vou contar para eles que foram os karatekas que contrataram a gente, entendeu? Eu sei o nome de todos vocês. - Na realidade Nina não lembrava de um puto nome, a não ser o de Kozue. -  Siga o que eu vou fazer e vai dar certo tanto para mim quanto para você. - Nina então pegaria o pulso da Karateka com força e começaria a arrasta-la pelo convés. - Isso faz parte do plano. - Falaria em um tom baixo para a garota, ao mesmo tempo em que caminharia novamente até a região da amurada onde os marinheiros pudessem ter uma visão privilegiada dela.

Posicionada, Nina colocaria Kozue na sua frente, seguraria a clava de ferro com a mão esquerda com sua mão e envolveria o braço direito no pescoço da karateka. - Ô MAGRELO! - Gritaria, se referindo ao marinheiro. - SE EU FOSSE VOCÊ EU PENSARIA DUAS VEZES ANTES DE ATACAR! EU SABIA QUE VOCÊS VIRIAM ENXER O NOSSO SACO, ENTÃO ANTES DE SAIR DA ILHA EU TROUXE ESSA PIRRALHA PARA SER MINHA REFÉM CASO ISSO ACONTECESSE... - Apertaria o pescoço de Kozue com o braço. - Vai, grite socorro, chore… - Cochicharia no ouvido da karateka e ao mesmo tempo em que pisaria com força no pé da garota para ajudar na sua atuação como refém. - VOCÊ NÃO VAI QUERER ATACAR UMA INOCENTE, VAI? - Perguntaria ao oficial da marinha em um tom sórdido, sorrindo para o mesmo com todos os dentes à mostra. - SE VOCÊS AFUNDAREM ESSE NAVIO, EU MATO ELA.

Se arrependeu instantaneamente de ter dito que preferiria que o barco fosse atacado do que ter que lidar com elas. - Droga, Brina. Me desculpe pela moeda. Eu deveria ter levado os fasmídeos a sério. - Mas ter avistado os três navios preprados para caçá-lo nem mesmo chegava perto do terror que viria a seguir.

Quando ouviu que uma de suas irmãs estava naquela ilha, vindo atrás dele, todos os seus ossos se amoleceram como se ele fosse o usuário da fruta da gelatina, e Douglas Whitefang usou todo o ímpeto de sua alma para não cair de joelhos.

Ouviaria Nina gritando, sem reação. - Se minha irmã se aproximar de mim, ela certamente me matará. - Engolia em seco, como se um iceberg descesse por sua garganta. - Ou pior. Veja bem: Eu sou o primeiro na linha de sucessão real. Enquanto eu não morrer, ninguém mais poderá herdar o reino. Apenas o meu pai me quer vivo.

Com a mente completamente em branco, dirigiu-se em direção ao timão e começou a seguir as ordens de Nina como se fosse um robô.

- EI, BRINA. BOMBORDO OU ESTIBORDO? ERM... ESQUERDA OU DIREITA? POR QUE LADO NÓS IREMOS? - Existia uma chance de 50% de chance de encontrar sua irmã em alto mar e ser pinçado pelos dois navios. Iria abusar da supertição e da sorte para levar o navio para o outro porto o mais rápido que conseguisse.

- MALDIÇÃO!! A VERDADE É QUE EU ODEIO TANTO AS MINHAS IRMÃS QUE TODAS ELAS SÃO UMA SÓ NA MINHA CABEÇA! EU NEM MESMO SEI COMO ERA A FELÍCIA! - Giraria o timão o mais rápido que pudesse, usando as duas mãos para tanto, seguindo na direção que Brina o havia indicado. Apostaria tudo naquilo.

Seguiria em linha reta, como aprendera, buscando abusar de sua velocidade. O navio tinha um design aerodinâmico e estava quase vazio após tantos dias de viagem. Os inimigos muito provavelmente não tinham essa desvantagem, já que estavam carregados de pessoas e canhões. - É melhor que você se apresse, Zarolha! - Além disto, por estarem aportados em uma região entre pedras, muito provavelmente teriam de sair com ângulos abertos, mais na diagonal, ao invés de ângulos retos como Douglas fazia, e a menor distância entre dois pontos é uma reta. Visaria se aproveitar ao máximo dessas vantagens para fugir.

Seu plano principal para evitar os canhões seria manter o máximo de distância deles, para ter mais possibilidades de se esquivar.

- PRINCESA RATINHA... VOCÊ PROVAVELMENTE TEM INSTINTOS OU INTUIÇÃO OU SENTIDOS OU SEI LÁ O QUÊ... PRESTE ATENÇÃO NO MAR. PROCURE POR ALGUM LOCAL EM QUE POSSAMOS ESTACIONAR O NAVIO ANTES DO PORTO, NEM QUE SEJA ENTRE PEDRAS. BUSQUE POR PEDRAS ABAIXO DA ÁGUA QUE POSSAM MACHUCAR O NAVIO E ME AVISE PARA EVITÁ-LAS... O QUE QUER QUE SEJA... - Continuaria prestando bastante atenção ao ambiente.

Estaria a todo tempo analisando as formações rochosas, utilizando-se de sua memória fotográfica para gravá-las. Talvez encontrasse algum local para estacionar, mas sem ter tempo de parar no mesmo. Caso isso ocorresse, guardaria-o em sua memória. Além disso, talvez, se Brina o indicasse ou ele percebesse alguma formação rochosa, poderia utilizar-se disto depois para levar os inimigos até uma armadilha subaquática.

Além disso, usaria de sua noção exata do tempo para navegar o mais próximo das pedras que fosse seguro. Mediria a velocidade do navio, calculando em quanto tempo poderia desviar no máximo, buscando se aproximar desta posição e então escapar, para que, talvez, se alguém tentasse imitá-lo, acabasse sofrendo as consequências de se desviar fora do tempo certo.

Também estaria atento a possíveis redemoinhos, evitando-os ao navegar entre dois deles, como havia lido nos diários de Kozue, para que nenhum dos dois o puxasse.

Caso desse o azar de encontrar a sua irmã vindo em sua direção, buscaria se aproximar o máximo possível da costa e das pedras, abusando da velocidade do navio, para tornar ainda mais difícil para os três navios de trás o pinçarem com o dela vindo à frente. Usaria de sua lábia associada à condução, tentando trazer os inimigos para armadilhas em que ele estivesse confiante que poderia se defender com sua Noção Exata do Tempo, fazendo parecer que estava rumando por um caminho seguro entre os pedregulhos.

Sua maior prioridade seria seguir as ordens de sua capitã e encontrar um local, ainda que não fosse um dos dois portos oficiais, em que pudesse estacionar o seu navio.

- ME DESCULPEM, FASMÍDEOS. ME DESCULPEM!! - Estaria frenético naquela perseguição.

Objetivos:

- EU FALEI PRA DEIXAR A MOEDA EMBAIXO DO MASTRO! - a presença de três navios inimigos era a última coisa que esperavam. Brina não estava familiarizada com a Marinha, pouco sabia a respeito deles e nunca foram muito presentes na ilha em que viveu. A função da Ordem da Lua era de solucionar questões mágicas, capturar criaturas e outras missões solicitadas pelos moradores humildes da ilha, as questões mundanas eram resolvidas por guardas, policiais e sabia que vez ou outra, um grupo de pessoas fardadas e fortemente armadas cumpriam esse papel.

Às vezes, os marinheiros apareciam em algumas histórias e contos como uma força policial, ora como heróis, dificilmente como vilões, mas nunca cativaram suficientemente a pequena que se interessava por qualquer outra história. Ainda assim, vê-los ali a fazia se sentir em uma verdadeira aventura, como se estivesse no palco de uma narrativa, igual aos livros que tanto leu ao longo de sua vida.

No entanto, algo não estava certo. Por que os seguiam?

O fato era que aqueles personagens desinteressantes estavam prostrados como inimigos. O homem dizia algumas coisas em relação ao passado de Douglas, e deixava a decisão dos rumos daquela pequena tripulação para Nina, que prontamente anunciou seu posicionamento.

- AHHHHHHHHH! - deixava um grito de entusiasmo escapar. - Sim, Rainha Nina! - e correria com Douglas até o timão, vendo-o dominar o navio e pedir sua ajuda. Brina não respondia imediatamente, repetia mentalmente as duas opções apresentadas e contava nos dedos. - ESTIBORDO! Apesar de bombordo lembrar bombom, estibordo tem NOVE LETRAS! Numerologicamente é a melhor opção para nós agora, confia em mim!

Em seguida, faria exatamente como o ruivo pediu. Iria até onde fosse possível avaliar a topografia da ilha e seus entornos, apesar de não ser uma geógrafa, a curandeira saberia se uma rocha parecesse muito perigosa, principalmente com auxílio de sua visão naturalmente mais aguçada que a dos humanos. - CONTINUE! ISSO! ESPERA! TEM UMA ROCHA MUITO PRÓXIMA! CONTINUA! PODE IR! - gritaria todas suas impressões para que o Vermelho pudesse conduzir o navio em segurança. Estaria atenta para formações rochosas peculiares, que interagissem de alguma maneira diferente com o movimento das ondas, talvez sendo ocultada de tempos em tempos. A verdade é que a ratinha não sabia muito bem o que estava procurando, mas se prontificava a avisar em voz alta tudo que avistasse e apontaria com o seu cajado, desconhecendo os termos náuticos. Isso incluiria elementos supostamente triviais, como árvores, troncos, aves, e até mesmo possíveis monstros marinhos. - A MOEDA AINDA ESTÁ EMBAIXO DO MASTRO? - perguntaria, ocasionalmente. "Espera aí... Bombordo também não tem nove letras?"

- Princesa Brina... - Deixaria os braços pendendo, o olhar lânguido, absolutamente arrasado ao se deparar com o navio de sua irmã. - Eu pensei que você estivesse me levando para longe da minha irmã. - Ficaria cabisbaixo, exausto, encostando a palma da mão no rosto. - Se eu nunca tivesse me envolvido com vocês, nem com o karatê, talvez eu pudesse sobreviver ao dia de hoje. - Levantaria a cabeça novamente, desta vez ajeitando a postura.

Poucos momentos atrás estava gritando e comemorando o afastamento dos navios da marinha, mas, agora, tinha vontade de dar meia-volta e ser despedaçado pelos canhões deles.

Ouvia o que Felícia tinha a falar, ao que respondia: - Seja bem-vinda, Felícia. É um prazer receber a sua visita. Por favor, não repare na bagunça, e deixe os canhões no tapete. - Ironizaria a irmã. - Eu agradeço pelos conselhos quanto à minha navegação perigosa, é bastante superprotetor de sua parte. Me lembra até o nosso Pai. Eu continuo o favorito dele? - Reverenciaria a irmã, em um gesto falso de educação. - PRINCESA BRINA, PRINCESA NINA, ESTA É A MINHA IRMÃ, A PRINCESA FELÍCIA. - Apontaria para ela de mão estendida, sabendo que dizer que as outras duas eram princesas a ofenderia.

Ouviria o Marinheiro sugerindo que eles voltassem à terra e entregassem a refém. Viraria-se na direção de Nina, prestes a aceitar, quando algo lhe ocorreria: Felícia com certeza iria querer comandar as negociações, pelo que atiraria no navio. Ela era arrogante assim.

Ao se virar, recebeu o tiro, cambaleando para trás e lutando para se equilibrar, segurando os punhos como se buscasse conter a própria raiva.

E neste momento se lembraria. A memória possui uma relação curiosa com as emoções. Em sua infância no Palácio, Douglas percebeu que a sua era bastante poderosa, com ele dificilmente esquecendo de coisas ou confundindo as lembranças. Um dos seus professores uma vez lhe explicou que talvez isso tivesse algo a ver com a sua frieza e impassividade para com tudo, o que o impedia de deixar que as emoções afetassem o que visse, o que fazia com que, geralmente, pudesse ver as coisas como eram, lembrando delas em detalhes, e não como queria lembrar delas.

Mas isso era algo completamente diferente do que acontecia com relação às suas cinco irmãs. As constantes comparações e cobranças com elas, desde antes de ele nascer, fazia-as serem um enorme borrão em sua cabeça, misturando-as em uma única lembrança ruim, como se o próprio principezinho se negasse a vê-las como qualquer coisa que não fosse uma tremenda responsabilidade.

Explicar o que significaria para ele ultrapassá-las, tomar seus lugares como rainha, ainda que fosse o mais fraco e o mais novo, sem nem mesmo merecer, ou, pior, ter de se esforçar absurdamente para sentir que merecia, apenas por uma regra estúpida que o dava vantagem por nascer homem, seria ir muito a fundo na psiché de Douglas, invadindo questões que o ladrão nem mesmo estaria pronto para admitir.

O que importa, para esta história, é que ao ver a forma como Felícia havia ordenado que o navio fosse explodido, ele simplesmente lembrou-se dela em suas especificidades, a destacando das outras irmãs. Agora seu rosto fazia muito mais sentido.

As cinco irmãs do ruivo possuíam, cada uma, habilidades capazes de fazê-las montar o próprio Reino. Isso, inclusive, era algo que o fazia sempre se perguntar o porquê de elas quererem tanto Dente de Sabre. Felícia não era uma guerreira tão poderosa, sendo a única contra a qual Douglas ainda tinha chances contra na esgrima, embora este sempre perdesse. Também não era a mais inteligente de todas para História ou Ciências. A principal habilidade dela era a sua capacidade e lidar com negócios e com dinheiro, sendo aquela com mais lábia, capacidade de vender coisas, organizar finanças, vencer jogos de blefe e, além de tudo, sendo a mais impetuosa e inescrupulosa.

Na verdade, ela era aquela que mais fazia Douglas lembrar de si mesmo. Embora ele não ligasse pras regras e geralmente não se importasse com os sentimentos das pessoas, ele ainda tinha seus raros momentos de empatia. Ela, contudo, era capaz de ser uma completa desgraçada contanto que estivesse dentro das regras do Mercado. O que, convenhamos, permite bastante maldade.

Como aquilo fazia parte das regras das políticas monárquicas, ele tinha certeza de que ela o mataria. Embora ele não tivesse a menor vontade de matá-la. Apertaria o punho com mais força.

Caminharia em direção à sua irmã, pisando na amurada do barco: - CERTO, DESGRAÇADA! EU NÃO ENTENDO MUITO DE PSICOLOGIA, MAS A PRIMEIRA FASE DO LUTO É A NEGAÇÃO. SE VOCÊ USAR OS CANHÕES MAIS UMA VEZ SEQUER, EU JURO POR MIM MESMO QUE VOU ME LANÇAR NO MAR DE UMA FORMA QUE VAI SER IMPOSSÍVEL ENCONTRAR MEU CORPO, E QUE, MESMO QUE VOCÊ O ENCONTRE, EU VOU ESTAR MAIS DESPEDAÇADO  DO QUE CARNE MOÍDA, E SUA LAIA NUNCA SERÁ CAPAZ DE COMPROVAR PARA O PAPAI QUE O CADÁVER SOU EU, E ENTÃO NINGUÉM NUNCA MAIS VAI PODER HERDAR AQUELA PORCARIA DE PENICO DOURADO!! - Após gritar tanto, estaria arfando, revoltado, perdendo a compostura. - Certo, irmãzinha. Agora, aproveite que nós estamos cercados de todos os lados, e nos deixe parar o navio e resolver isso em terra. - E assim buscaria fazê-lo.

- Me desculpe, Capitã. Mas eu acreditei que fosse precisar cuidar dessas relações externas pelo bem da Zarolha. - Se dirigiria até o porto sem tentar fugir. Sua irmã sabia que ele seria capaz de se matar. Duvidaria muito que ela atirasse.

Objetivos:

Nina acertou na estratégia da refém de mentira. Teve a sorte de seu oponente ser um sujeito com um caráter moral superior ao dela, o que impediu que os navios atacassem a Zarolha. Aproveitando a situação, Douglas e Brina guiaram a embarcação da rainha para longe.

Os três navios de guerra seguiram a Zarolha por um tempo, porém após terem dificuldades em ultrapassar algumas rochas acabaram se distanciando, o que permitiu que Nina suspirasse aliviada. - Parece que deu certo. - Falou para Kozue, ainda mantendo seu braço em volta do pescoço da garota.

Entretanto, da outra direção veio outro navio e nele havia imponente mulher de cabelos vermelhos que parecia liderá-lo. Antes que a monarca pudesse trocar palavras com tal mulher, ela e Douglas iniciaram a conversa. - Então essa é sua irmã? - A rainha perguntou, incrédula. Apesar de enxergar certa semelhança na fisionomia, os dois pareciam vir de dois mundos completamente diferentes. Felícia exalava força enquanto o irmão… Bem, vocês já sabem qual é a visão de Nina sobre ele.

Ao mesmo tempo, o marinheiro ofereceu uma conversa em terra firme. E para ser sincero, não havia outra saída. Três piratas novatos contra 4 navios uma situação extremamente desfavorável, até mesmo para a teimosia de Nina. No entanto, antes que os tripulantes da Zarolha pudessem dar uma resposta, uma bola de canhão atirada pelo navio de Felicia acertou a lateral do navio em cheio.

A rainha teve que soltar Kozue para poder segurar na amurada, colocando força nos músculos da perna para ficar de pé. Mas tão logo o navio se estabilizou, ela agarrou novamente a karateka. - VOCÊ ESTÁ DOIDA, SUA DESGRAÇADA? - Nina berrou para a irmã de Douglas. Enquanto isso, Whitefang tentava negociar com sua parente usando de uma ameaça de suicídio. - Que merda é essa? Você tem que ameaçar ela, não você mesmo seu animal! - A situação estava bastante estressante para a monarca que arfava e cerrava os dentes. Não sabia ao certo como sair daquela bagunça, então pra não ficar queimando neurônio atoa concordou que o próximo passo seria chegar em terra e estando lá decidir o que fazer.

Caso Felicia concordasse em deixar o navio atracar, Nina esperaria a embarcação parar e desceria ainda segurando Kozue. - Eu exijo que só o magrelo e a maluca desçam para negociar! - Estaria se referindo ao marinheiro e de Felícia. - Os navios devem ficar uns 200 metros da costa, só assim eu aceito conversar... - Faria sua primeira solicitação. Se por algum acaso eles negassem ou fizessem uma contraproposta, Nina soltaria ar pelo nariz, bufando, e passaria os espinhos de sua clava no rosto de Kozue na força suficiente para que um corte fosse feito na pele da garota. - Eu não estou brincando, entenderam? Façam o que eu falei ou eu mato a garota aqui mesmo. - E com essa tática brusca de negociação Nina esperaria a decisão dos seus adversários.

O que ela faria depois disso? Bem, ela não tinha a mais puta ideia.

Cada palavra que saía da boca de Felícia era carregada de ironia e sarcasmo, e portanto Brina acreditava em absolutamente tudo. Para a ratinha, soou muito convincente que ela tinha sorte de encontrar o irmão ali, que o pai estava preocupado, que realmente lamentava que ele pudesse ter morrido em um acidente e que o convite para dar um abraço era um gesto de ternura fraternal. A ingênua não identificava ironia, e se emocionava ao acreditar que estava testemunhando um belíssimo reencontro. “Nossa, mas isso… é lindo demais…”

Entretanto, logo em seguida uma grande confusão era instaurada: os marinheiros davam ordens, Douglas ameaçava se matar e Nina retomava a negociação envolvendo reféns. - O QUE? POR QUE VOCÊ TÁ FAZENDO ISSO, ARQU-.... DOUGLAS?” - arregalava os olhos ao ver que que o ex-companheiro ameaçava se jogar no mar. Não é como se aquilo fosse o mais alarmante dos acontecimentos ao seu redor, absolutamente nada parecia sob controle.

E acima disso, a pequena estava sendo ignorada.

Os olhos estavam todos direcionados ao príncipe e a rainha com refém. Era quase como se Brina não estivesse ali, e se não estivesse mesmo? “Os fasmídeos… eu devo ter sido pega por um e nem percebi, e eles são invisíveis, será que… eles passaram essa habilidade pra mim? Não é possível! Mas… e se isso aconteceu mesmo? Será que alguém está me vendo?” A mink olhava de um lado para o outro, algumas vezes. “Hm… se eu estou invisível… eu posso fazer alguma coisa!”

A roedora iria para um canto do convés em que não tivesse ninguém, e ergueria o cajado e o balançaria. Apenas para chamar a atenção.

Caso alguém a olhasse, suspiraria. “Poxa, não tô invisível.”

Enfim, apesar da ingenuidade, sabia que não tinha participação nenhuma naqueles eventos que se desenrolavam. Não entendia porque Douglas estava tratando sua irmã tão mal, mas ele era um mentiroso safado que fez pior com ela! “Ele deve ter mentido algo grave pra ela também, pois ela parece tão legal!” E Nina tentava se resolver com a Marinha, e restava apenas aguardar o que iria acontecer e consentir com as ordens da capitã.

De certa forma, aquilo era e não era um blefe. Douglas sabia que preferiria morrer a ser Rei daquele maldito lugar. Mas também tinha um amor profundo pela vida. Nem mesmo ele sabia se terminaria se jogando. Muito provavelmente sim, mas na esperança de encontrar um jeito de fugir pela água.

Viu sua irmã hesitando. Os canhões parados. Quando ela lhe disse sobre atirar com o arpão ele fechou os olhos, virando o rosto, como se a perfuração contra a Zarolha doesse também nele. Em seus desejos de criar um lugar em que pudesse ficar em paz.

Mas ele já imaginava que aquilo ocorreria.

Como dito, a desgraçada sempre preferiria estar com a vantagem nas negociações. Sempre preferindo conduzir e nunca agindo muito arriscado, para maximizar os lucros.

Assim que pisasse na areia, diria: - É claro que eu não iria me matar, estúpida! - Daria língua para ela, apenas para ofendê-la sobre não ter calculado bem o plano de Douglas, embora ela na verdade o tivesse, de certa forma. - Quer saber de uma? - Deixaria a coluna ereta e estufaria o peito, ajustando a postura, de lado para a irmã. - Você sempre foi a mais parecida comigo. Eu sou o homem caçula e você a mulher caçula. Nós dois somos fracos. Eu, porque sempre fui muito preguiçoso para treinar. Você... Bem... Apesar de todo o seu treinamento... - Levaria a mão até o florete preso ao cinto, o tirando lentamente. - Para explicar melhor, eu vou começar dizendo que, no seu lugar, eu nunca teria atirado o arpão no meu navio. Eu iria pagar para ver se o meu captivo iria fugir. Iria primeiro criar um plano para que o desgraçado não tivesse como fugir, mas parecesse que tinha, e me divertir com cada instante  pensando nele buscando um caminho impossível. - Dobraria as pernas de leve, posicionando o calcanhar da frente apontado para a ruiva e o de trás ficando de lado, uma pose de esgrima que dava ao mesmo tempo apoio e flexibilidade. - Mas você, bem. Sempre preferiu jogar seguro. Alguns podem chamar de sede de controle. Mas eu, Felicia, chamo de covardia. E eu sempre preferi lucros tão altos quanto improváveis e riscos altos... - Seu florete estaria apontado para os céus, mas começariam a descer lentamente, rumo ao outro corpo tão parecido com o seu. - É por isso que eu nunca te derrotei antes na Esgrima, Princesa. Por pura preguiça e falta de vontade. Mas já destrocei tantos outros guerreiros mais poderosos do que eu com métodos sujos e sagacidade. Mas e você, irmãzinha? Continua treinando na segurança do castelo?

Todo aquele discurso de Douglas era apenas uma forma de utilizar a sua Lábia para entrar ainda mais na mente de sua irmã. Queria confundi-la para que, ainda que ela fosse mais poderosa ou mais fraca do que ele, pudesse plantar uma semente de medo em sua cabeça. Caso ela continuasse o combate vencendo, ele usaria seus nervos de aço para manter uma feição zombeteira, de forma a fazê-la achar que aquilo era um plano de fingir que era fraco, para talvez tirar alguma vantagem. Caso ela começasse perdendo, o que ele achava bastante improvável, ele não a subestimaria nem por um instante, mas ainda estaria constantemente zombeteiro.

Orgulhosa que era, talvez ele já tivesse começado a expurgar a sua moral - no sentido de autoconfiança no combate, como quando se fala em exércitos - desde que a convencera a não derrubar o navio, se ameaçando de suicídio. Acreditava que ela havia usado o arpão justamente para esconder aquilo, mantendo-se poderosa.

Mas fazia um bom tempo que não via a sua irmãzinha. Então, como sempre, aquilo era uma aposta. Mas, se havia algo real no que Douglas havia dito, era que ele realmente amava assistir aos ratos do castelo e aprender com as suas formas de vencer com pouco esforço, apesar das desvantagens esmagadoras. E sua irmãzinha sempre preferiu o conforto e a segurança.

Por isso, na cabeça de Douglas, quando estivessem cruzando floretes, não seriam apenas as lâminas se chocando. Mas os seus próprios estilos de vida. A forma como escolheram viver. Quem quer que vencesse aquele combate estaria provando um ponto. Sequer teria entrado naquele combate se não tivesse sido completamente encurralado, e só o fora pela necessidade de controle de sua irmã. Contudo, como não tinha mais jeito, teria de se afundar de cabeça naquilo, como sempre buscando o mínimo de esforço para poder vencer.

Apenas para estressá-la, Douglas faria o primeiro avanço, visando dominar o ritmo do combate, atacando-a diretamente em sua necessidade de controle. Com o seu jogo de pernas, se moveria até a mesma sem sair da base e esticaria o braço esquerdo ao máximo para perfurá-la ainda fora do seu raio de ação. Com a mesma bloqueando ou não, se visse uma brecha, continuaria atacando-a, apenas para usar sua Noção Exata do Tempo e medir, através do ritmo da mesma, a sua velocidade.

Se, a qualquer momento, a mesma buscasse acertá-lo, daria diversos passos para trás, ainda em sua base, defletindo os ataques da irmã com o florete dela para os lados, usando de bloqueios diagonais para tanto, ainda aproveitando a oportunidade para medir o ritmo dela.

Estaria atento caso a mesma buscasse jogar areia em seus olhos, pronto para fechá-los ao mesmo tempo que dava um salto curto e rápido para trás, e então outro mais longo, saindo do alcance da lâmina dela, já reestabelecendo uma base de luta para poder conseguir voltar a se defender. Na verdade, na primeira oportunidade que tivesse também buscaria chutar areia contra a adversária. - Areia no olho. Clássica. - Sorriria, os cabelos vermelhos esvoaçando na praia.

- Nós tivemos o mesmo professor de Etiqueta, irmãzinha. E ele me ensinou que era rude estocar os outros. - É o que diria caso fosse atingido, reassumindo sua base, visando ainda apenas prestar atenção no ritmo da mesma em suas defesas, afim de quebrá-lo com movimentos improváveis de florete para bloquear, buscando sempre usar acrobacia para sair do alcance da mesma.

Estaria atento aos empregados de Felícia também, buscando desviar com um salto de qualquer tentativa deles de intervir. Se alguns dos seus homens tentasse atrapalhar o combate, seria a vez de Douglas de agir como um nobre. De uma distância segura, tiraria o den den mushi de Kozue e diria: - Eu literalmente sou um Príncipe no seu reino, desgraçado. Você não pode me atacar tanto quanto não pode atacá-la. Mais um passo e eu faço o meu den den mushi real ligar para o meu pai e nenhum de vocês nunca mais vai poder pisar por lá de novo. - Mentiria. Mas aquela seria a sua melhor defesa.

Objetivos:

Quando o arpão atingiu a embarcação, Nina não irritou-se da mesma maneira que havia se irritado quando fora um tiro de canhão. - Aguente firme, Zarolha. Eu vou arrumar um jeito de te consertar depois… - Falou em voz baixa, pensando que talvez com seus conhecimentos de forja ela conseguisse remendar a embarcação depois. A irmã de Douglas e o marinheiro aceitaram as condições. Algo no tom daquela mulher fazia com que a rainha se irritasse, apesar de ambas compartilharem a prepotência como traço de caráter, não havia qualquer tipo de simpatia entre as duas. Por conta disso, Nina lançou sobre ela um olhar duro, cerrado, as sobrancelhas tão tensas que empurravam seus pequenos olhos para baixo, além de um leve biquinho que denotava desprezo.

Em terra, Douglas continuou a trocar palavras com sua irmã. Em um momento, a rainha se exaltou com uma frase dita pelo esgrimista. - Seu navio? Você não ia sair do meu reino? O navio é meu e da Brina, seu idiota! - Praguejou, irritada, porém no fundo ela queria cutucar Whitefang para ver se ele não repensava sua atitude de abandoná-las.

Ainda com Kozue envolta em seus braços, o que se sucedeu mostrou que havia algum tipo de acordo entre o marinheiro e Felícia sobre Douglas. E pela forma como eles sacaram suas armas, Nina constatou que eles já haviam decidido pela batalha, antes mesmo das negociações pela refém. - Então lá vamos nós de novo… - Nina falou, sorrindo, soltando Kozue e a empurrando para o lado. - Não preciso mais de você, pirralha. - Falou isso para a karateka, mas encarando diretamente o marinheiro, que pelas circunstâncias tornou-se seu oponente já que Douglas havia anunciado sua intenção de batalhar com Felícia.

Dessa vez, Nina tentaria uma aproximação diferente na luta. Flexionaria ambas as pernas, agachando levemente enquanto que a única zona de contato com o chão seriam as pontas dos pés. Pareceria um guepardo pronto para pular em sua presa. E então assim ela faria, pularia para frente e iniciaria uma corrida na direção do marinheiro.

Chegando perto dele ela não pararia o avanço. Ao invés disso, iniciaria uma sucessão de golpes improvisados com a clava, na diagonal, horizontal e vertical, todos visando acertar as regiões da cabeça, peitoral e abdomem do homem. Ela esperava que ele fosse aparar ou desviar dos ataques, por isso ela não perderia tempo. Feito um golpe, ela logo partiria para outro, pouco se importando com a técnica e apostando todas suas fichas na velocidade e na força com que manejaria a clava. Seu objetivo era usar da velocidade e da movimentação errática da clava para desestabilizar a capacidade do oponente de prever e se defender dos golpes.

Em toda a movimentação ela permaneceria sorridente, as sobrancelhas levemente franzidas, um instinto assassino envolveria a rainha como se ela tivesse se transformado em um animal selvagem. - Eu estava pensando, Magrelo. - Diria em um tom calmo. - Se eu te matar, talvez os seus capangas tenham medo de desembarcarem, estou certa? - Até mesmo uma certa luxúria sairia na fala, como se a derrota do marinheiro já estivesse escrita em pedra e ela já estivesse se deleitando com essa previsão.

Para se defender, Nina simplesmente tentaria tirar seu corpo da trajetória do ataque dando alguns passos para o lado ou para trás, o que fosse mais conveniente, mas sem se distanciar muito, já que ela tinha que se manter próxima do homem para manter sua estratégia avassaladora de dar a maior quantidade de golpes possível em um curto espaço de tempo.