Durante o mês em que esperava a entrega da sua embarcação, Gale treinou seu corpo todos os dias, assim como um predador afia suas garras. Não houve notícias de Greg ou daquele garoto que mostrou ao pirata a base de operações do patrão. Sam, por sua vez, costumava treinar pela manhã e encher a cara às noites, buscando por donzelas e derramando seu charme cafajeste nelas. Por doze vezes naquele mês precisou fugir de pais ou maridos zangados.

Mas avançando para o dia atual, Gale corria pelas ruas de Lvneel, já no fim do seu treino. Era cedo, algo em torno das oito horas, e o sol estava bem forte. O lutador, por sua vez, estava bem suado após aquele treino, indício do seu esforço, mas também do calor que estava fazendo naquele dia. As ruas estavam tranquilas e raramente o historiador precisava desviar de algum civil distraído. Completando os dez quilômetros daquele dia, seguiu para o porto.

Geppetto, Sam e vários trabalhadores se encontravam ao redor da escuna, cem por cento produzida. O velho tinha um sorriso orgulhoso estampado no rosto. — Ora, mas é claro! Eu sempre cumpro com os meus prazos! — Respondia o mais velho. Sam acenava para Gale e parecia tão animado quanto ele. — Por sinal, Geppetto-san estava agora mesmo falando que só falta mais uma única coisa, mas isso não será problema. — Informava, ao passo que o carpinteiro complementava: — Isso, falta dar um nome antes que o navio possa finalmente ir para o mar.

Gale já havia dito o nome que escolheria para Sam e Geppetto havia escutado uma das vezes, dizendo que era um bom nome. Ainda assim, haviam esperado pelo capitão para que este pudesse nomear o navio de forma oficial. Próximo a proa do navio havia um dos carpinteiros contratado pelo senhor Geppetto com uma lata de tinta e um largo pincel em mãos, apenas esperando a palavra de Gale para finalizar o serviço.

Gale D. Kay:

Gale nomeava formalmente o navio e os trabalhadores davam vivas e gargalhadas, principalmente por causa do objetivo impossível — ao menos nas cabeças deles — daquele sorridente pirata. Aquele trabalhador riscava com maestria e logo o nome 'Victoria Hai' estava pintado em branco na proa, contrastando com a madeira escura. Ele dava um passo atrás para observar o trabalho concluído e indagava: — 'Hai' é com 'R', não é? — Meio segundo depois os homens caiam na risada pela pequena pegadinha que o marceneiro tentava pregar no capitão. — Estou brincando, está tudo certinho!

O historiador aproveitava que o homem estava com a mão na massa — ou seria melhor dizer na tinta? — e pedia para que as velas fossem pintadas. O trabalhador dava de ombros, como se aquilo não fosse nada demais, mas prestava atenção nas explicações de Gale, replicando com habilidade o desenho na grande vela negra. Cinco minutos e a ajuda de mais dois para erguê-lo no ar com o auxílio de cordas e roldanas era o necessário para o homem terminar o serviço.

O senhor Geppetto ria com a impaciência do pirata, mas não respondia, pois Sam falava primeiro. — Opa, isso é comigo! — Ele corria em direção ao navio e começava a escalar pela lateral. — Navio ao mar? Aye, aye, capitão! — Brincava enquanto subia, desaparecendo assim que alcançava o convés.

Mais um minutinho de espera, para que ele alcançasse o timão e desse um grito de aviso, e os carpinteiros retiraram da frente da doca várias grossas tábuas, fazendo com que a água do mar pudesse entrar e erguer a escuna alguns centímetros. Mais tábuas foram retiradas, essas que davam suporte para o navio durante a fase de construção, e a escuna deslizou suavemente para o mar. Gale ouviu Sam gritando um altíssimo "UHULL!" lá de cima assim que atingiu a primeira onda.

Nas docas laterais, todos os trabalhadores haviam parado para observar o "nascimento" daquele novo navio. Brevemente, Gale também viu um homem baixinho, na casa dos quarenta anos e extremamente bem arrumado, na entrada do armazém vizinho. Ele tinha uma expressão mista de orgulho e descontentamento, mas logo retornava para dentro do seu armazém.

Enquanto isso, Geppetto se aproximava um pouco mais do pirata. — Você seguindo a costa irá encontrar vários armazéns para estocar mantimentos para a jornada. — Ele apontava na direção correta, mas era meio óbvio, já que as docas ficavam no limite do porto e só havia a direção oposta para seguir. Inesperadamente, a expressão do velho se tornava triste, fazendo Gale lembrar da primeira vez em que havia aparecido ali com Sam. — Antes de ir, peço que cuide bem desse garoto, Gale D. Kay. Ele já sofreu muito nesta ilha. — E, tão rapidamente quanto antes, a expressão do carpinteiro se iluminava num largo sorriso. — Perdoe este velho melancólico, sei que dará tudo certo para vocês. — Ele estendia a mão para um forte aperto, caso Gale quisesse, e diria: — Que o vento esteja sempre nas suas costas, o sol no seu rosto e que as estrelas lhe protejam. — Desejava, antes de dar um passo atrás e acenar para Gale e, um momento depois, para Sam, que já havia manobrado o navio para ficar com o bombordo virado para o porto e o estibordo para o mar.

Gale D. Kay:

Após Gale subir no navio, Sam deixava com que ele seguisse uma leve correnteza e soltava o timão, indo até o bombordo, acenando para os homens na praia e, principalmente, para o velho carpinteiro. — Até a próxima, Geppetto-san! Diga para as mulheres não sentirem muitas saudades, pois voltarei por elas! Trarei muitas jóias! — Os homens riram e o senhor gritou alguma coisa, mas sua voz se perdeu no vento. Depois de muitos acenos, Sam retornou ao timão e começou a guiar o navio contornando a ilha.

Precisaram parar duas vezes, pois o primeiro armazém se recusou a abastecer um navio de velas negras. O homem no segundo não se importava, contanto que fosse pago, o que aconteceu. Dali, partiram rumo ao mar. As ondas estavam tranquilas, o céu estava quase sem nuvens e bem ensolarado, não podia ser melhor. Ainda assim, Gale ouviu Sam dando um longo suspiro.

O espadachim havia se virado e olhava para trás, na direção de Lvneel, guiando o navio com apenas uma mão. — Nunca fui tão longe… — Admitiu para seu capitão, ainda olhando para trás e dando mais um longo suspiro. — Adeus pai, mãe e Geppetto-san. Estou indo, mas não esquecerei vocês nem por um momento. — Ele acenou uma última vez, longe demais da ilha para qualquer um ver, e se virou, encarando o horizonte de queixo erguido. — Grand Line, AÍ VAMOS NÓS!

Gale D. Kay:

A aproximação e, principalmente, a subida na reverse foi caótica. O tempo fechou, como se os próprios céus avisassem aos piratas para que voltassem, mas eles permaneceram seguindo em frente. A entrada era tão estreita que de dentro do navio era possível se esticar e tocar a ponta dos portais que indicavam e marcava o início da longa subida, mas nem mesmo isso fez os dois aventureiros desistirem. Aquela batalha contra o mar que durou longos minutos, não pareceu durar mais do que alguns segundos para os dois que corriam de um lado para o outro, tentando controlar a escuna contra o mar bravio.

Mas no fim, ao alcançarem o topo, foram agraciados com uma visão que poucos tinham o prazer de ver. Ambos gritaram de animação, excitação, felicidade, vitória e muitos outros bons sentimentos que inundavam suas mentes e corpo. Estavam em puro êxtase e não era para menos.

Após um ou dois segundos no ar, a escuna lembrou-se que a gravidade existe e retornou ao mar, jogando os dois para a frente com força e começando a descida. O céu clareou de repente, da mesma forma que havia escurecido antes. O pior já havia passado. Conforme Sam controlava a descida, viram à estibordo um farol velho e aparentemente abandonado, mas que ainda funcionava de alguma forma. Na entrada, havia um homem na casa dos 50 anos, de cabelos cinzentos e expressão séria.

Além do farol, uns 100, 150 metros de distância, havia uma pequena cidade sobre palafitas. Bem, cidade era uma palavra muito além daquele amontoado de destroços e navios destruídos aglomerados em estranhas construções que não pareciam seguir nenhum padrão geométrico ou estético. Quando falavam que muitos encerravam sua aventura na Grand Line antes mesmo de sair do farol, não era mentira, e agora os dois piratas viam em primeira mão o que poderia ter acontecido com eles caso tivessem cometido apenas um único erro durante aquele percurso. Sam não conseguiu evitar dar um gole em seco diante aquela visão.

Gale D. Kay:

Os dois piratas estavam mais do que felizes e comemoraram com vivas, gritos, risos, apertos de mão e abraços. Até mesmo deram alguns pulinhos. — Foi frenético, mas valeu a pena! — Comentou Sam, ainda eufórico e pingando de suor devido ao esforço necessário para manter a escuna em curso. Gale também estava cansado e suado por ter que correr sozinho pelo navio, lidando com as velas e demais necessidades náuticas.

O mar estava bem tranquilo ali ao lado do farol e eles puderam descansar um pouco. Aquele estranho homem entrou no farol enquanto Sam guiava o navio até um pequeno porto mais a direita, com Gale jogando a âncora e o espadachim indo até a lateral amarrar e firmar o navio. — Melhor você ir sem mim. — Disse, embora não conseguisse evitar olhar na direção do farol ou daquela estranha cidade adiante, demonstrando sua vontade.

— Eu não sou carpinteiro, mas o Geppetto-san me ensinou o básico e eu preciso verificar se o navio teve algum dano mais grave depois de todo esse… — Ele tinha dificuldade para resumir essa pequena aventura do duo, e não era para menos. — Depois de tudo isso! Haha! — Com as mãos na cintura e mais uma olhada para a cidade distante, ele completava: — E também não podemos deixar o navio vazio, não é? Vá sem mim, se der eu dou uma passada lá mais tarde. — Com isso, os dois se despediam, com Sam indo para o interior do navio e Gale descendo no porto e seguindo rumo ao farol.

Ao se aproximar, aquele homem saía lá de dentro, descendo um pequeno lance de escadas e se sentando numa cadeira de balanço que estava ali fora. Em suas mãos ele tinha uma garrafa com um navio dentro. Apesar de diminuto, a réplica tinha uma ótima qualidade. Além disso, ele também tinha um estranho apetrecho preso ao braço como um relógio. Este item parecia uma bússola, mas o historiador não tinha a menor ideia de como funcionava, já que ela claramente não apontava para o norte. — Perdeu algo, garoto? — Perguntou o faroleiro, observando o navio na garrafa e sem olhar na direção de Gale.

Gale D. Kay:

O homem, por mais sério que fosse, não conseguiu evitar o riso com a pergunta do pirata. — FAFAFA! Mágico? Não! Sou um poderoso mago! — O corrigiu. — D? — Ele meneou a cabeça após um segundo, deixando isso de lado. — Bem, você já está na Grand Line, caso não tenha percebido. — Ele admirava o navio na garrafa por mais um tempo antes de responder. — Não alguém, mas estou esperando. Algo assim.

O silêncio tomou conta do ambiente, enquanto Gale olhava ao redor. Tirando ele e o faroleiro, não havia mais ninguém à vista. O único navio no porto, por sinal, era o dele. Aquela estranha cidade distante também parecia vazia, e foi olhando para ela que ouviu o homem falar: — Eles só saem à noite, tipo morcegos. Com certeza estão dormindo agora depois da confusão e bebedeira de ontem.

— Relógio? — O homem repetia, confuso, antes de olhar para o braço e dar um sorriso de escárnio. — FAFAFA, as crianças de hoje em dia… — Brincava com si mesmo. — Isso é um Log Pose, garoto, sem ele você sequer consegue sair do Farol. Ficará preso aqui assim como aqueles lá. — Com o dedão, ele apontou na direção da cidade às suas costas, errando a direção por uns 15º graus.

O faroleiro continuava observando o navio super detalhado dentro daquela garrafa, até que parecia ter uma ideia, com suas feições se iluminando. Repousando a garrafa em seu colo, disse: — Ah, já sei! Você precisa de um log pose e eu tenho um sobrando. Quer? — Caso a resposta fosse sim, ele daria um largo sorriso, desviando os olhos de Gale para o navio mais atrás. — Então, se eu vou lhe dar algo tão importante como um log pose, que tal você me dar o seu navio? Ele ficaria bom na minha coleção! — Caso o pirata dissesse que não, o homem se amuaria como uma criança e responderia: — Você está uns cem anos adiantado para a Grand Line, garoto. Eu ficar com o seu navio seria um favor que lhe faria!

Gale D. Kay:

Quando sugeriu tomar o log do faroleiro, um fino sorriso surgiu em seu rosto e Gale sentiu um estranho formigamento percorrer todo o seu corpo. Devia ser o frio daquele lugar, com certeza.

Mas então o historiador mudava sua atitude, oferecendo dinheiro, e o homem de cabelos grisalhos se acalmava. — Já que está tão empolgado assim, que tal uma aposta? — Ele se levantava, colocando a garrafa com o navio sobre a cadeira e indo até o farol. — Espere aí. — Dizia, entrando no farol.

Gale ficaria uns cinco minutos à sós. Caso resolvesse esperar, o homem retornaria com outra garrafa em mãos, se afastando uns dez metros do farol e gesticulando para que o pirata o seguisse. — A aposta é simples. — Dentro da garrafa havia uma pequena pedrinha, do tamanho da cabeça de um polegar, a qual Faust tentava tirar.

Quando a pedra finalmente saía, seu tamanho aumentava drasticamente, se tornando maior do que a base do próprio farol. O faroleiro, no entanto, a segurava com apenas uma mão e a erguia acima da cabeça, com aparente facilidade. — Basta que você a tire do chão. Desde que nenhuma parte desta pedra toque o solo, você vence. Simples, não? — Sua voz permanecia inalterada, sem esforço, e só então ele a deixava cair, levantando uma nuvem de poeira ao redor dos dois. — Caso perca, trabalhará para mim por um ano! — Completava, dando três passos para trás para que o pirata tivesse espaço para tentar.

Caso Gale se aproximasse e tentasse erguer a pedra, veria que esta devia pesar mais do que 20 toneladas, muito além da sua capacidade física. O homem daria um leve risinho. — Pronto para desistir?

Gale D. Kay: