Aquele era meu destino, desde jovem.
— Você está melhor, Levi? — Dr. Simon surgia retirando o pano que separava os outros pacientes do leito de meu quarto.
A maioria não passava tanto tempo ali quanto eu.
Aquele dia, não pude responder. A tosse atacou antes que a voz saísse. Meu corpo todo doía e meus olhos fechavam-se com força até que, lentamente, meus músculos paravam de se enrijecer e eu finalmente começava a recuperar os sentidos.
O Dr havia se sentado na cama.
— Sua temperatura está alta. — Ele falou mas tinha a impressão que ele falava sozinho e eu bem tinha a oportunidade de lhe dar certeza que eu o ouvia plenamente. Inclusive, via tudo que acontecia naqueles últimos meses.
O cheiro de terra molhada nos dias de chuva e o barulho e ruídos que eram característicos da chegada de um novo paciente. Recentemente, também havia chegado um homem que tinha uma Síndrome que o fazia xingar sem parar. Era engraçado mas colocar-se no seu lugar me fazia pensar se era realmente tão engraçado e isso me fazia parar de rir mentalmente. Havia também os dias mais tristes, queria dizer a Simon que eu o admirava por continuar mantendo aquele centro de atendimento, mesmo diante os inúmeros cobradores de impostos que surgiam naquela casinha localizada no Centro Comercial da Cidade dos Campos. Queria dizer que eu estava sendo testemunha de tudo e que, se eu pudesse, eu o ajudaria.
Acho que ele sabia disso, no entanto. Aqueles olhos sorriam quando me olhavam.
— Mas vamos cuidar disso, não é? Haha! — Ele sorriu. Mas não tinha ideia do que fazer. Eu sabia porque, na noite anterior, havia ouvido uma conversa dele com sua esposa. Ele não havia encontrado a causa da doença.
— Esse componente não vai funcionar. Não é possível que não percebeu que o sistema imunológico está atacando o sistema respiratório. Tudo bem. — Pensei, tentando me levantar.
Ele percebeu, mas eu não consegui falar nada.
— O que foi, Levi? — Eu não tinha forças pra respondê-lo com palavras.
— É aquele ali, seu idiota — Minhas mãos se erguiam devagar e apontavam para um frasco distante.
— O que você quer dizer? — Ele perguntou. Era óbvio que não acreditaria num garoto que estava a beira da morte. Quem acreditaria que, naquele estado, eu estivesse lendo os livros de medicina avançada. Verdade, havia o livro.
— Aquele livro ali. — Apontei.
— O livro? — Ele tentava criar um diálogo e eu, com a pouca força que tinha, acenei a cabeça concordando.
37. Página 37. Fiz com os dedos.
Minha respiração já estava ofegante.
— Página 37. — Ele entendeu. Não sei como, mas ele entendeu.
[...]
— EU PRECISO DE MAIS ANESTESIA PRA ESSE DESGRAÇADO AQUI! —— AHHHHHH, TA DOENDO —— FILHO DA PUTA, FICA PARADO! — Não sei quem gritava mais, eu segurando aquela linha de costura improvisada ou aquele desgraçado que não chorou ao tomar um tiro mas não aguentava ver uma agulha e ficava se debatendo.
— PORRA, ALGUEM SEGURA ESSE CARA. — Gritei, enquanto tinha que colocar o pé sobre o peito dele pra poder evitar que ele se movesse e eu conseguisse fechar o ferimento.
Haviam se passado cinco anos desde aquele dia. Exatos cinco anos.
— Você se tornou um médico excepcional, Dr. Levinstein. — A voz melosa da enfermeira Layla apareceu ao longo daquela sala pouco tratada e agora vazia.
Eu bufava de alívio após aquele homem ter deixado a casa. Sua voz me fez acordar e a olhei se aproximar. Ela começava a limpar os instrumentos.
— Simon ficaria orgulhoso. — Ela disse.
A olhei de canto, me levantando devagar.
— Dr. Simon teria conseguido fazer os pontos sem precisar quase imobilizar o homem. — Foi minha resposta, de voz quase sussurrada, comecei a ajudá-la a limpar o local.
— Não é sobre isso, Levi. — Ela falava, mas a interrompi com um olhar condenador.
— Doutor Levi… — Ela complementou e voltei a mesinha finalmente estava limpa.
— Falo sobre tudo. — Ela sorriu.
Eu sabia como aquilo doía para ela. Layla era esposa de Simon e perdê-lo havia sido uma grande dor em sua vida. Lembrava-me de dois anos antes quando ela havia tido um quadro depressivo causado pelo luto. Era possível dizer que ela não estava totalmente recuperada só pelo modo como suas palavras eram ditas.
O silêncio falou por mim.
— Voce virou um grande médico. — Ela complementou.
Lembrei-me de quando havia mais pessoas para serem cuidadas e acho que, nesse caso, era uma boa notícia pensar que não havia tantos pacientes. A verdade, no entanto, é que não tínhamos como pagar os impostos cobrados pelo governo e, por isso, tínhamos de manter o máximo de discrição possível.
— Eu arrumei um emprego novo, Levi. — As palavras de Layla me pegaram de surpresa.
— Como assim? — Perguntei de volta.
— A Doutor Marla me chamou para atender junto com ela e ser sua aprendiz e eu aceitei. Ela têm como manter um local digno e assim, você poderá ser livre. — Ela falava sem sequer erguer os olhos e me olhar diretamente.
— Você está brincando… — Apertei os lábios, sem acreditar no que meus ouvidos ouviam.
— Que merda você está dizendo? — Perguntei olhando-a, mas ela ainda fitava o chão.
Novamente, o silêncio manteve-se por algum tempo até que a voz de Layla surgiu.
— Você deve viver a vida, Levi. — Naquele momento, sequer me importava em ser chamado só de Levi.
— Você dizia querer achar a cura para todas as doenças e agora, está preso aqui, comigo. — Sua voz era melancólica e ao mesmo tempo doce.
— Não seja louca, Layla, eu estou aqui porque… — Minha voz já estava alterada quando fui interrompido.
— Eu estou partindo amanhã, sugiro que faça o mesmo. — Ela então me deu aquele abraço. Um abraço materno e repleto de doçura.
— Seja livre. — Murmurou e, naquele momento, fiquei sem palavras.
No dia seguinte, quando acordei, Layla já havia partido. Sobre a mesa, havia 250 mil berreis e aquele livro de cinco anos atrás.