[Offscreen/Fechada] Encomenda

O dia estava frio em Sirarossa, mas isso já era de se esperar. As nuvens no alto do céu iam se acumulando e formando uma grande mancha escura no céu das 18:00 horas. Trovoadas e relâmpagos ecoavam bem longe na vastidão do oceano que seguia por um horizonte inalcançado para a vista dos cidadãos daquela ilha no West Blue.

No entanto, a chuva ainda não chegava na cidade. Os ventos fortes ainda sopravam, empurrando as nuvens em direção a Sirarossa. O sol já não se podia mais ver por já estar se pondo, e toda claridade que ele fornecia indiretamente, estava tampada pelas nuvens carregadas.

— Parece que vai chover bastante hoje, Dra. Von Aizzer.

A médica ouvia as palavras da enfermeira que pegava uma muda de roupas para um paciente na UTI. Se virou olhando para janela. Olhou profundamente até onde podia, mas não conseguia ver nada além da escuridão chegando.

— Acho que molharei minha roupa hoje. — Comentou Waiss. — Ainda tenho algumas horas de plantão para cumprir e, a chuva não demonstra que vai dar uma trégua.

— Verdade, verdade. Bom, eu já vou estar saindo agora. Deixarei meu guarda chuva com a senhorita, tudo bem? Sempre deixo um no meu armário para ocasiões como essa.

A médica voltou seus olhos para a gentil moça, deixando de lado o que via através da janela.

— Tem certeza? A chuva pode não parar até de manhã, ou, chover cedo amanhã.

A doce colega de serviço sorria com graciosidade, respondendo a seguir.

— Não te preocupes doutora, tenho em minha casa mais outros dois. Gosto de ser bem preparadas. Só irei levar essas roupas para o 201 que se urinou todo enquanto dormia, e estarei indo para casa. A chuva nem vai me pegar por agora.

Waiss ficou cabisbaixa, pensativa com a bondade de sua colega de trabalho. Ela devia ter tido a sorte de ter nascido e crescido longe dessa ilha infestada pela criminalidade do submundo.

— Se realmente não for um problema, aceito de bom grado. — Sorriu em agradecimento.

Waiss não era muito de expressar emoções com frequência, há quem diz que ela tem um coração de gelo ou algo do tipo, contudo, a jovem Aizzer nada mais é que uma mulher bem resolvida que não quer envolver as pessoas em assuntos desnecessários na qual ela irá um dia começar a resolver.

A enfermeira enfim lhe trouxe o prometido guarda chuva. Era do gosto de Waiss, cores neutras que não chamariam atenção de ninguém pelas ruas de Sirarossa.

Em poucos instantes, Waiss voltava a ficar sozinha no consultório em que estava. Mantinha-se lendo o prontuário de um paciente que haviam marcado a cirurgia para às 22:00 horas, então estava estudando todo quadro clinico do senhor de 67 anos para buscar a melhor forma de trata-lo.

Longas horas decorreram desde o diálogo entre a enfermeira e a doutora que permaneceu no hospital estudando o prontuário do idoso de 67 anos. Os olhos cansavam e o traseiro ficava anestesiado de tanto ficar sentada.

— Aaggr... — Gemia ao desencostar um pouco da cadeira e se esticar, estalando os ossos da espinha. — Essa radiografia... O paciente deve ter aprontado muito pra ter conseguido um ferimento desses. Sobreviver a isso que me espanta.

Waiss ficava pasma toda vez que olhava para a chave de fenda que perfurou a cabeça do sujeito que de uma maneira milagrosa conseguiu não acertar nenhuma parte do cérebro.

— Achei que Sirarossa não conseguiria mais me surpreender de forma alguma. Porém, me enganei. Não devo subestimar nada e nem ninguém. Ao menos o paciente não se encontra em risco, o que me deu tempo de estudar toda situação inédita. Enfim, tenho meia hora para descansar e me preparar. Já estudei tudo que preciso.

Waiss se levantava se espreguiçando mais uma vez. Deixava os livros de cunho anatômico e neural espalhados pela mesa. Se dirigiu até a sala dos funcionários e encheu um copo com bastante café quente. Deu um gole pequeno para não queimar a língua e deixou o recipiente sobre a mesa. Buscou por um pãozinho e o cortou, recheando seu interior com manteiga e, somente.

Assim que preparou sua breve refeição, se apoiou a janela com o pratinho na beirada e o copo em mãos. Mordiscava o pão enquanto bebericava o café. O gosto amargo se destacava na boca enquanto a bebida descia aquecendo a garganta e transferindo calor por todo corpo.

— Hum... Em 40 minutos a cafeína fará efeito no corpo. Estarei bem desperta para cirurgia. Irei enrolar dez minutos pra bater o tempo.

Von Aizzer era bem metódica em determinados assuntos. Não que tivesse algum tipo de perfeccionismo, mas era vaidosa e prezava pela qualidade. Se o café pudesse de alguma forma fomentar numa melhoria em seu foco, certamente aproveitaria disso.

Os últimos trinta minutos decorriam rapidamente. A doutora Waiss Von Aizzer era finalmente chamada.

— Dra. Von Aizzer, desculpe a interrupção. Estão te aguardando no centro cirúrgico.

A médica que estava encolhida em uma cadeira, olhando para lado de fora da janela depois de degustar seu lanche, torcia o pescoço para o lado oposto, ouvindo o que a auxiliar de enfermagem tinha a dizer.

— Certo, já estou indo. Me dê dez minutos para me aprontar.

— Tudo bem, irei informar a equipe.

Sem delongas, Waiss levantou-se de onde estava e se dirigiu até a porta. Trajava seu jaleco padrão com roupas formais comuns. Precisava se trocar antes de iniciar a operação, além de se higienizar para evitar qualquer contaminação.

Percorreu os corredores, cruzando pela portaria central na qual havia diversas pessoas. Sua presença chamava atenção. Elegante e bonita, uma médica como aquela não se via todo dia. Era como aquelas tiazinha que gostavam de se expressar dizendo quando algo terrível acontecia a uma pessoa atraente, "era tão bonita, poxa", como se só por ser agradável aos olhos não merecia coisas ruins, ou pior, merecia o melhor do melhor por seus aspectos físicos, claro, se é que me entende.

No entanto, sua viagem pelo pronto socorro não durou muito, estava apressada e tinha algo importante a ser feito. Todavia, diferente de muitos ali sentados, uma figura recolhida ao canto com trajes neutros e uma presença quase indetectável, seguia a médica com os olhos mais do que todos. Fixou suas pupilas nela até que não pudesse mais.

Waiss adentrou na sala para remover seu vestuário e colocar a vestimenta descartável. Arrancou seu jaleco, deixando-o pendurado em um cabide. Dobrou sua saia e blusa, deixando dentro de um armário. Pegou um pacote com o traje médico e se vestiu rapidamente. Cobriu seu calçado com os protetores e ajeitou seu cabelo com a touca. Os óculos e luvas de proteção seriam colocados por uma das auxiliares para que não houvesse contato de Waiss, afinal, assim que se trocou, agilizou a lavagem de seus braços com sabão neutro.

Preparada, Waiss invadiu o espaço da cirurgia e a operação finalmente se deu inicio e depois de muito trabalho houve um resultado positivo para o paciente.

O que foi? Esperava uma descrição impecável da cirurgia? Lembre-se do título desse conto, se chama "Encomenda", e há uma razão para isso. Mas okay, serei legal com você e farei algo mais detalhado.

Waiss se reuniu com sua equipe com o raio X em mãos com os focos luminosos devidamente direcionados.

— Vê como penetrou no crânio? A ponta fina da chave de fenda perfurou a cabeça entre o lobo frontal e o lobo pariental. Assim sendo, não causou danos ao cérebro.

Todos começavam a entender o que ocorreu com a vítima. Uma baita sorte. Em suma, o sujeito tinha nascido de novo.

Waiss tocava no cabo da chave de fenda e sentia o quão estava bem presa.

— Vai ser difícil. Terei de aplicar força com delicadeza. Um desafio bem inconveniente nesse caso. — A doutora raciocinava e logo dava as ordens. — Vou precisar que segurem o corpo do paciente com firmeza. Vou puxar lentamente o objeto fincado. Quando remover toda extensão de dentro dele, sejam rápidos, pois a pressão dele irá subir.

Deixando as ordens de lado, a equipe seguia para os finamente. Todos faziam como comandado e a cirurgiã destemida iniciava o tratamento. Devagar e sem pressa, Waiss ia removendo aos poucos para que não causasse danos colaterais. Se ele sofreria sequelas do ferimento, isso já seria outros quinhentos.

Demorou, mas finalmente foi retirado a chave de fenda do crânio do sujeito. A equipe acelerava em finalizar a operação. O pior já tinha passado. O objeto não era cortante, o que facilitou na remoção.

— A operação foi um sucesso. Se fosse uma faca doutora Waiss, o que a senhora teria feito.

A pergunta era pertinente. Os presentes se voltaram para a médica que liderava a cirurgia. Refletiu por alguns instantes e, de forma vaga dava uma resposta não muito precisa, mas que seguia uma lógica.

— Bom... Me concentrei no fator de não ser algo afiado. Contudo, se fosse o contrário, acredito que eu manteria o procedimento que fizemos com algumas modificações. Elaboraria uma forma de proteger o tecido biológico interno e realizaria o movimento de remoção conforme o formato da lâmina e a maneira como a mesma perfurou o crânio. Seria mais difícil, iria requerer mais precisão, mas acredito que daria certo.

Ninguém contestava a resposta dada, parecia uma boa analise do caso feita em tão pouco tempo. A mente de Von Aizzer era realmente especial, mas isso eles já sabiam. Porém, sapiosexuais parece estar na moda, mesmo que indiretamente.

O procedimento estava encerrado. A doutora descartava suas luvas e se retirava, deixando o trabalho de finalizar tudo com os demais. No vestuário olhou para o relógio. Não abriu um sorriso, mas alegrou-se em ver que terminou bem no horário de ir embora. Enfim, trocou de roupa novamente e foi até seu consultório, deixando por lá seu jaleco para poder ir embora. Não era de seu feitio levar coisas contaminadas para casa.

Ao deixar o jaleco pendurado na cadeira que utilizava no serviço, Waiss era surpreendida pelo som repentino da chuva que ameaçava cair horas antes.

Seus olhos se voltaram para a janela aberta. Os riscos de água caindo brilhavam com a luz indireta do consultório. A doutora se aproximou da janela, olhou para fora tentando ver como estava a rua e, bom, estava completamente consumida pela água. Em poucos minutos os canteiros do asfalto estariam fazendo uma bela corrente d'água até os bueiros.

— É, senhorita Joy. Me salvou de uma banho de chuva e da cama desconfortável da sala dos funcionários. — Falou consigo mesma.

Fechou a janela e foi até seu armário. Estava lá o guarda chuva entregue pela enfermeira. Pegou e fechou a porta do móvel. Foi em suas gavetas e catou o par de luvas e vestiu-as antes de sair.

Saia de seu consultório, trancando devidamente e indo para a saída principal. Cruzava a passagem enquanto ouvia uma voz familiar.

— Até amanhã doutora Von Aizzer. — Cumprimentava o segurança da entrada.

A médica acenava com o braço erguido e um leve inclino de cabeça. Estava um pouco distante e não seria muito educado ficar falando alto para devolver o bom gesto do homem. O sujeito repetia o movimento com a mão e dava um sorriso.

Próxima a linha de queda da água que vinha do teto, curvou-se para frente como se tentasse enxergar a origem daquela quantia mais grossa de chuva e, imediatamente abria o guarda chuva.

— Uff... — Arfou.

Tomou coragem e encarou de vez a chuva, cruzando a linha de queda mais intensa e seguindo a passos ligeiros com as pontas dos pés até a calçada do outro lado da rua. Naquele local estava mais tranquilo e agora podia caminhar sem muita importunação além do que já estava tendo.

Waiss não morava muito longe do hospital, alguns minutos de caminhada bastavam para chegar de um ponto ao outro. No entanto, na volta em horários mais noturnos a médica tinha o hábito de comer fora. Portanto, ela seguia por um caminho que aumentaria a distância até sua casa. Porém, cevaria seu estomago com uma tigela de sopa bem quente e um gole de algo forte para complementar a noite.

Chegou no restaurante e adentrou no local. Sentou-se no local de sempre, em uma mesa para dois ao lado de uma janela grande com uma bela visão para o externo do ambiente.

— Boa noite senhorita, o mesmo de sempre?

— Sim.

— E para beber, o que vai ser hoje? Um vinho rosé? Talvez um whisky 12 anos vindo da Grand Line?

— Hum... Hoje eu só queria ser uma pirata em alto mar relaxando em minha rede com meu tesouro debaixo do braço e uma garrafa de rum na outra.

O garçom sorria com a forma de se expressar da mulher. Sabia que era um pouco egocêntrica.

— Acho que tenho algo especial para ti. Um instante.

O rapaz se retirou e enviou o pedido para cozinha. A seguir, foi até a adega do restaurante e trouxe uma garrafa. Era velha e simplória. Estava lacrada e parecia não ter valor algum. Contudo, o olhar do garçom e sorriso faceiro dizia que havia algo a mais que os pobres olhos da mulher não conseguiam enxergar.

— Conte-me logo o que você está escondendo. Não é educado deixar uma dama ansiosa.

O homem segurava sua gargalhada. Esboçava somente um sorriso de quem estava revelando um grande tesouro.

— A senhorita disse-me que queria um tesouro e uma garrafa de rum. Bom, eis que tenho em minhas mãos uma bebida que é um verdadeiro tesouro. Seu valor é considerável, mas seu sabor é incalculável.

— Incalculável, rhul? Por qual razão.

— Essa garrafa tem centenas de anos, não se da para ter uma dimensão exata de quando foi fabricado. No entanto, os historiadores confirmaram ser uma garrafa que ficou no fundo do mar por muitos anos, até que alguém de alguma forma trouxe para superfície e vendeu para um mercador de bebidas que sem saber seu real valor, vendeu para nossos caçadores de relíquias. Alguns atestam que a bebida é tão antiga e que foi feita com ingredientes do All Blue!

Os olhos da médica expressaram seu interesse.

— All Blue? Não é todo dia que se falam em lendas como essa com tanta convicção. — Waiss focava-se na garrafa. Não tinha muita informação visual. — A história é fascinante, mas eu sou bem cética quanto a histórias fantásticas como essa. Todavia, agradou-me o suficiente para me convencer de ao menos degustar a bebida. Dê-me uma dose, por favor.

Aquele homem negro e seus olhos confiantes não dizia mais nada, somente pegava o saca rolhas e libertava a garrafa de sua prisão. O perfume do álcool exalava no ar, um cheiro diferente e inimaginável.

— Não consigo discernir o que estou sentindo.

— Então beba! — Disse enchendo o copo da cliente. — Assim terá sua resposta.

A mulher olhava para o copo servido a sua frente sobre a mesa. Pegou com as pontas dos dedos para se servir, mas antes de dar um gole, tornou a olhar para o garçom que aguardava ela tomar o rum.

— Certo.

Sem hesitar ergueu o copo e tomou em uma golada. O gosto era forte e diferente. A mulher parecia confusa. Seu paladar dizia dezenas de informações diferente.

— Estranho, é delicado e com um sabor quase “amanteigado”, com um pouco de especiarias. Apresenta também citricidade de casca de er... laranja e toques de caramelo no aroma, além de um dulçor típico de baunilha, frutas secas e chocolate.

O garçom não esperou um pedido formal, simplesmente completou o copo com mais uma dose.

— Falei que esse era especial.

— Não sei quanto as aventuras que essa garrafa teve, mas seu sabor é inegável. Reserve a garrafa toda para mim, irei levar para casa. Quando eu for ver minha mãe na Grand Line, irei levar para ela provar.

— Muito bem, trarei algo para você poder carregar depois que jantar. Aliás, sua sopa já está vindo...

O foco dela mudava para o outro sujeito com a bandeja. A barriga resmungava.

O segundo garçom trazia uma tigela com um belo vapor subindo. O aroma do caldo invadia as narinas da médica que já mergulhava naquela experiência culinária.

— Nunca enjoo desse cheiro.

— Nosso chefe nunca se cansa de fazer o melhor. — Respondia o garçom que terminava de servir a sopa. — Bom apetite.

Waiss removia suas luvas e pegava uma colher para experimentar um pouco do caldo. Estava suculento e saboroso, dava para sentir bem as cenouras utilizadas com o forte gosto da carne moída. Uma segunda colherada foi feita, agora preenchendo com todo conteúdo no fundo do recipiente. Assoprava para diminuir um pouco o calor que era demasiado. Levou aos lábios, recuando logo em seguida. Ainda estava muito quente. Aguardou alguns segundos e foi mordiscando aos pouco.

— Como está a sopa, senhorita? — Questionava o moreno que retornava com uma sacola elegante para por a garrafa de rum, dentro.

— Suculenta... E muito quente.

— Haha, de fato. Tome cuidado para não queimar a boca.

— Tarde de mais.

— Oh... Deixarei que aproveite. Se precisar, basta levantar a mão.

Um aceno positivo com a cabeça foi tudo que a moça do rosto avermelhado pelo calor, reagia. O garçom entendeu que ela desejava privacidade e, se retirou.

Por volta de vinte minutos depois a doutora estava saciada e com sua tigela vazia. Preenchia o copo com mais algumas doses e bebia o suficiente para ficar um pouco alegre, mas sem perder a compostura. Separou o dinheiro e levantou sua mão, o sujeito se adiantou e foi atende-la.

— Tudo estava maravilhoso. Porém, devo traçar o caminho de casa agora. A chuva parece ter dado uma aliviada.

O homem olhou para a janela, e comentou.

— Realmente, não parou, contudo, será um bom momento para enfrentar as ruas molhadas. Pretende efetuar o pagamento agora?

— Sim. — Depositava as cédulas na mesa, as empurrando em direção ao homem.

— Agradecemos a preferência. Volte sempre.

Waiss se levantava.

— Muito obrigada por toda atenção. Tome um adicional para ti. — Puxava uma moeda do bolso e lançava com o polegar em um lançamento em direção ao sujeito que agarrava rapidamente o dinheiro.

— Como sempre uma excelente cliente.

— Como sempre um excelente puxa saco, fufufu. Boa noite.

— Hohoho, até a próxima.

O garçom colocava a garrafa na sacola e entregava para a cliente. Ambos terminavam de se despedir e Waiss seguia até a saída no recinto. A chuva não dava trégua, embora tenha diminuído seu fluxo.

— Que sensação ruim.

A mulher deixou a sacola entre um de seus braços e foi vestindo as luvas que havia retirado. Pegou seu guarda chuva e abriu para lhe proteger. Avançou pela calçada e seguiu rumo de casa.

As ruas estavam já meio alagadas, mas nem tanto. Para não molhar os pés ao atravessar a pista, exigia-se um saltinho de cerca de um metro. Isso, ou acabaria enxercando seus calçados.

Enquanto cruzava ruas e mais ruas que estava vazias. Em dado momento a mulher ouviu com sua audição apurada um som singular. Um passo em falso e ágil no que seria uma poça d'água. Por um instante a mulher parou, achando aquilo estranho. Curvou levemente sua cabeça para o lado e tentou escutar algo. Porém, nada mais ouvia.

— Devo estar embriagada de tanto rum.

Continuou seu caminho para casa ao não identificar mais som nenhum. Todavia, enquanto mantinha seus passos, ouviu novamente alguma coisa. Passos ligeiros vindo de algum lugar. Waiss tentou demonstrar ter notado algo e manteve a caminhada, contudo, assim que avistou uma viela, adentrou na mesma e acelerou um pouco o passo. O beco na qual entrou tinha um novo caminho que virava a esquerda. A mulher seguiu por ele e, parou. Fechou o guarda chuva e deixou a sacola em cima da lata de lixo ao seu lado.

"Um assediador?"

A movimentação apressada de quem quer que fosse, vinha em sua direção com certa urgência. Como havia somente um cotovelo de parede para contornar. O sujeito vinha rápido para não perder de vista seu alvo. Assim que "quebrou" para esquerda, viu a ponta metálica de algo se aproximar em sua direção. De relance o mesmo não conseguiu identificar o que era, no entanto, se assemelhava a algum tipo de lâmina, o assustando. A seguir, algo se expandia em um raio grande. Sua reação foi nada mais que frear seus passos, dando um salto para trás, ficando a dois metros de distância da médica que abriu o guarda chuva para criar um bloqueio entre ambos.

— Não sei quem és, tampouco me importo. Mas sugiro que se explique por quê está perseguindo alguém. — Exigia a mulher dos cabelos albinos que deixava o guarda chuva apontado para o mesmo como se fosse uma mureta que impedia ambos de se tocarem.