Um olhar de espanto e preocupação imediatamente tomava conta de meu semblante. Olhar Às com todos aqueles aparatos mecânicos era extremamente doloroso, e vê-la com uma expressão de estranheza ainda me causava repulsa. Engoli toda a dor ainda entalada na garganta, respirando fundo e inflando o peito para enfrentar aquele terrível inimigo, que era o esquecimento de minha irmã. — Olha aqui, ou você vai lembrar da gente por bem ou por mal! — Expressava quase como uma ameaça, até notar que estava sendo atacado.

A última reação que esperaria era de receber um cascudo naquela hora, me deixando paralizado sem saber o que fazer. Olhava para trás, numa tentativa de alcançar o olhar de Rango, que talvez pudesse me dar uma luz sobre o que diabos estava acontecendo. — Aí, aí, mão de metal dói! — E quando enfim pude me recuperar, era atacado novamente com um abraço, forte o bastante para estalar ao menos umas três vértebras. O que mais doía, entretanto, era sentir aquela dor entalada na garganta subindo em forma de lágrimas novamente, fazendo meu corpo tremer enquanto meleca escorria pelo nariz. — Você lembrou… Você lembrou…


Retribuía o abraço com praticamente o dobro da força, erguendo-a no ar como se tentasse sentir seu peso, seu calor, sua textura. Após uns breves instantes, deixando que Rango também a abraçasse em conjunto comigo, a soltaria para olhá-la de cima a baixo, ainda meio chocado com as modificações. — Eu fui fraco, irmã. Não pude salvar você, Íris ou Rango. Obrigado por serem tão fortes. — Diria secando as lágrimas e limpando a mão de catarro na camisa do Sarnento.

Ainda com o olhar de estranheza para seu corpo, começava a tentar meio que identificar como funcionava, até perceber que estava encarando demais. — É muito esquisito? Digo, ainda dá pra sentir cosquinha? — Comentava, parecendo que essa era uma das maiores prioridades que ela precisasse se preocupar naquele momento. — E, bem, depois que te trouxemos para Sam, acabou que Sasha e Shiori retornaram. Rango apareceu um pouco depois de ter derrotado algumas centenas de inimigo lá na caverna. — Olharia para ele, como um bom irmão orgulhoso. — Então enquanto Sam cuidava de você, tentamos botar a cabeça no lugar. Treinamos um pouco, troquei soco com a Shiori e aprendi a ficar duro. — Falava de forma natural, dando a entender pelo meu tom de voz que trocar soco com Shiori fazia parte do treinamento. — Mas acima de tudo, a cada segundo desde que voltamos eu estive pensando em como poderíamos acertar as contas com Kraa de uma vez por todas. Não vou deixar o que aconteceu passar em branco. — O tom em minha voz deixava claro que não estava para brincadeira, e que iria até o inferno se fosse para cumprir com a minha promessa.

Com as lágrimas secas e com o sorriso voltando a ser o que mais predominava em meu rosto, enfim começava a conseguir escutar bem os sentimentos de Às, bem como ver que tudo poderia voltar como era antes. Seu renascimento não havia significado sua morte, e eu precisava ser grato por ela ter resistido tão bem. — Aliás, você viu o desenho da Íris?! Ela fez como se você fosse uma heroína, GHYAHAHAHA! — Caso a resposta fosse negativa, chamaria Íris para perto de nós, pedindo para que ela mostrasse o incrível trabalho que havia me mostrado naquele dia mais cedo.

Após matar a saudade e ver todos estando bem, por fim, refletia se valeria a pena nos arriscarmos em busca de vingança. Eu nunca havia sido alguém vingativo, e sabia que aquele caminho era tortuoso e cheio de dores. Um ciclo sem fim, para dizer a verdade. Mas o que me motivava não era causar a mesma dor que havia sido causada, mas sim de impedir que aquilo acontecesse novamente a outras pessoas. Despertava de meus devaneios com as respostas de Às, notando que ela parecia particularmente confusa com o treino. — Claro que a Sasha sabe, ela que me ensinou, junto com o homem macaco. — Dizia, estranhando a confusão dela pelo jeito óbvio que havia sido dito.

Diversos conselhos acabavam sendo ditos, o que não parecia se encaixar exatamente com minha situação. Olharia por cima do ombro de minha irmã, em busca do olhar de Sam, ainda confuso. — Você deixou ela beber? — Mas parecia que aquilo se tratava de um conselho sobre puberdade, apesar de não interligar uma coisa à outra. — Mas eu posso ensinar para Mizuki-chan também! Eu aprendi a furar coisas com o dedo também, mas acho que vou precisar reforçar o treinamento. Olha só como eu aprimorei o endurecimento! — Me levantaria, passando a enrijecer os músculos de meu corpo a ponto de socar um punho no outro e gerar um estalo.


Com tudo esclarecido, acabaria rindo junto dela, apesar de não ter entendido por completo aquilo que ela havia imaginado. De qualquer maneira, sentia o estômago roncar e o sabor afetivo da comida de Shiori invadia minha boca, o que só piorava minha situação. — Tem certeza que não quer vir? Estou faminto, e sei que nossos estômagos estão sincronizados. Podemos pedir para Shiori fazer um jantar de recuperação para você! — Animado como só eu podia, começava a saltitar enquanto listava todos os tipos de pratos que gostaria de comer.

Com sua negativa, bagunçaria o seu cabelo como troco pelo cascudo enquanto me despedia. — Íris, Mizuki e Lunna, querem vir também? Saco vazio não para em pé! — E olharia principalmente para Íris, que com toda a certeza precisava repor as energias. — Quanto a você, senhorita, seu treinamento começará logo após! Quero lhe ensinar os caminhos para o Karatê Tritão, para que você consiga dar cascudos por aí quando for necessário. — Expressaria, sabendo que ela poderia ser uma lutadora brilhante se fosse instruída devidamente.

Por fim, sairia da sala juntamente de meu irmão, com o coração muito mais leve por ver todos bem. Eu não podia permitir que aquele tipo de coisa se repetisse, portanto haveria a necessidade de prosseguir o treinamento de forma mais árdua possível. — Depois da comida, vamos retomar o treinamento com o Mamaco. Que tal você aprender algumas coisas também? Pode vir a ser útil. — Diria, já imaginando o potencial latente que havia em todos nós.

O cheiro da comida de minha irmã me atraía de longe. Poderia nadar através dos mares do Novo Mundo sem um Log Pose caso minha irmã estivesse cozinhando em alguma ilha qualquer. Minha mente acabava me trazendo até os portões do Quartel General, que por já termos entrado tantas vezes, havia esquecido que algumas formalidades eram necessárias. — Ah, me chamo Akira! Somos os caçadores que têm treinado com o pessoal aí nos últimos dias. Vim ver minhas irmãs! — Comentava, alegre, e até mesmo um dos marinheiros havia sido capaz de nos introduzir também, liberando o caminho.

O comentário, entretanto, que acabava sendo incisivo. Meu sorriso não se desfazia, de forma alguma, pois caso o fizesse significaria que ele iria ganhar o que queria. Por ser taxado de lento para muitos assuntos, acabava usando disso ao meu favor, reagindo como se sequer tivesse entendido o que ele quis dizer. Já havia escutado tanta coisa pior antes, que aquela ofensa genérica sequer me fazia hesitar na minha caminhada até o refeitório, onde o aroma da refeição ainda guiava meu coração.

Caso acabasse chegando no instante em que a confusão estava no ar por conta da aparição de um cachorro de pelagem branca, que parecia estar sentado na mesa antes, também aguardando pela refeição de minha irmã. — GHYAHAHAHAHA, um mascote!! — Buscaria me aproximar, animado pelas ideias de brincar de jogar graveto, fazer cócegas na barriga e comer carnes juntos. Nunca havia tido a oportunidade de ter um cachorro — além do Rango — e parecia que um havia acabado de surgir na nossa frente!

O que não esperava, entretanto, era que minha irmã que era o famigerado cachorro, me fazendo dar um pulo de susto. — MAS QUE DIABÉISSO?! — Botaria Rango na minha frente, deixando-o de escudo humano. Aquela transformação de vai e vem acabava me deixando paranóico, olhando para Shiori como se tentasse entender o que estava acontecendo. — Ela virou um lobisomem?! Eu sempre quis ver um, mas não a minha irmã! — As histórias de criaturas que se transmutavam em noites de lua cheia relembrava muito das formas Sulong de minhas irmãs. Significaria que Sasha ia se tornar o dobro do perigo na lua cheia?!

Aquilo por um momento cessava a minha fome em decorrência do pavor que sobressaia. Ainda assustado, ouvindo Sasha falando e demonstrando que ainda estava consciente, começaria a me aproximar para ver o quão real aquilo era. — Você foi mordida recentemente, irmã? Talvez aquele necromante tenha feito algum pacto com você? — Pensava, confuso, até que ouvisse o que realmente poderia estar acontecendo. Com a sua resposta, eu olhava para Shiori, pensando se ela que havia sido amaldiçoada. — Se a Shiori me morder, será que eu viro um lobo também?! Tenta aqui! — Esticaria o antebraço, animado com a ideia de virar um lobisomem. Entretanto, um fato que realmente não havia dado tanta atenção, me sentindo idiota por não ter dado a devida, que era que a Sasha agora estava peluda! — QUE PELO FOFINHO, QUE PELO BRILHANTE! — Avançaria para abraçá-la, apesar do receio de ser mordido e virar um lobisomem também, sacudindo-a no ar em comemoração.

A outra conclusão lógica seria de fato a existência de uma Akuma no Mi, é claro, semelhante ao que foi usado por Fopp quando se transformava em um urso. As lendas eram as mais diversas possíveis, e por vir de um lugar tão longe, havia visto um caso ou outro de usuários surgindo, mas aparentemente estava se tornando cada vez mais comum. — Ouvi falar que tem gosto de cocô. É verdade? — Perguntava curioso, até pelo fato de eu não saber que gosto cocô tinha. — Se isso tiver sido uma Akuma no Mi, significa que nunca mais iremos fazer surf tritão?! — Dizia, colocando as prioridades da vida dela em primeiro lugar, naturalmente.

Aquilo apenas dava mais uma carga de responsabilidade para mim, uma vez que eu seria o mais ágil para poder salvá-la caso caísse do navio. É claro que eu estaria lá para qualquer um deles, e não hesitaria em mergulhar em magma se fosse para salvá-los. — Deixa comigo, eu te salvarei!! — Dizia estufando o peito, como um grande herói. — Mas você virou um lobo diferente, não era um lobo comum. Você chegou a notar também aquela nuvem ao redor do pescoço dela, Shiori? — Comentava, tentando ainda decifrar que tipo de fruta era aquela.

Sentando ao seu lado, buscaria algumas frutas para ir matando a fome também enquanto a refeição não estava pronta, atento para não comer uma Akuma no Mi disfarçada. — Eu ainda preciso treinar melhor a técnica do dedo, acho que ficou faltando aprimorar… Além disso, talvez eu aprenda o Soru. Foi uma habilidade muito forte em nossa luta. — Comentava para Shiori. A verdade é que haviam muitas outras habilidades disponíveis para serem aprendidas, mas precisávamos respeitar os limites de nossos corpos e mentes para aprender tudo da melhor forma possível.